Política Nacional sobre Mudança do Clima: Governança climática

Política Nacional sobre Mudança do Clima: o que as empresas precisam saber

Sumário

Política Nacional sobre Mudança do Clima: no Brasil, o tema saiu do voluntariado e entrou em governança corporativa com efeito jurídico e financeiro. A combinação PNMC, SBCE e Adaptação define como medir emissões, como cumprir metas e como tratar risco físico. Para operar com previsibilidade, a empresa precisa de MRV auditável, verificadores independentes e decisões registradas.

Política Nacional sobre Mudança do Clima saiu da zona do discurso e entrou no núcleo da governança corporativa. O movimento foi acelerado por três atos federais que mudaram o mapa de risco e de capital das empresas no Brasil:

Essas normas definem como medir emissões, como operar no mercado regulado de carbono e como tratar o risco físico na operação e na cadeia. A leitura para a alta direção é direta: aquilo que antes figurava como pauta voluntária de reputação passou a ter efeito jurídico e financeiro, com prazos, verificações e custo de inação.

Políticas com esse grau de detalhamento cobram coerência entre intenção e execução, pois revelam descompassos entre o que se anuncia e o que se entrega. O conselho decide com base em números, e os números aqui passam a ser inventários confiáveis de emissões, planos de monitoramento aprovados, contratos com verificadores independentes, mapeamentos de vulnerabilidade climática e registros de conciliação com cotas. É assim que o tema entra no ciclo de orçamento, investimento e auditoria.

A partir desse ponto, o artigo desdobra três frentes normativas e, em seguida, organiza os desafios e o roteiro prático de implementação. Por fim, analisa os ativos de carbono no cruzamento entre o mercado regulado e o voluntário, com foco nos riscos contratuais que recairão sobre o jurídico. O fechamento aponta oportunidades estratégicas e reforça a importância de governança integrada para transformar obrigação em vantagem competitiva.

Política Nacional sobre Mudança do Clima: normativas aplicáveis e seus mandatos

Lei nº 12.187/2009 — PNMC como base estratégica

A Lei nº 12.187/2009 instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima e consolidou objetivos, princípios e instrumentos que amarram mitigação e adaptação às escolhas de desenvolvimento. O texto exige que governos e empresas estruturem metas, planos e mecanismos de gestão para reduzir emissões e aumentar resiliência.

De lá deriva a obrigação estratégica de integrar risco climático ao planejamento de longo prazo, com métricas, responsáveis e registros verificáveis. Na prática, isso se traduz na criação de metas internas compatíveis com o perfil de emissões, em indicadores auditáveis e em governança que assegure acompanhamento contínuo.

A utilidade é clara: decisões sobre ampliação de capacidade, modernização de ativos, fusões e aquisições e contratação de seguros passam a considerar o custo do carbono e a vulnerabilidade climática.

Um ponto simples e decisivo: na prática regulatória, a PNMC exige estrutura institucional; o SBCE exige MRV (Medição, Reporte e Verificação) com verificação independente e conciliação com Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs); a Política Nacional de Adaptação desloca o risco físico para orçamento e continuidade, com prazos e evidência auditável.

Lei nº 15.042/2024 — SBCE e o risco de compliance financeiro

A Lei Federal nº 15.042/2024 criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de GEE (SBCE), moldado como cap and trade com MRV obrigatório para operadores enquadrados. O sistema introduz três obrigações que interessam diretamente à diretoria:

  1. elaborar e manter Plano de Monitoramento (PM) tecnicamente consistente;
  2. relatar emissões com rastreabilidade de dados;
  3. submeter verificação independente por entidade reconhecida. O fechamento desse ciclo leva à conciliação com Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs).

Prevê multas de 3% a 4% do faturamento do exercício anterior em caso de descumprimento, o que coloca o tema na alçada de quem responde por resultados. O Plano Nacional de Alocação (PNA) definirá tetos setoriais e critérios de distribuição, influenciando custo final para cada operador.

A leitura empresarial é pragmática. Quem mede com precisão reduz incerteza e evita sobrecustos; quem documenta mal expõe a empresa à verificação desfavorável; quem posterga a contratação de verificadores corre o risco de disputar prazos com o mercado todo. O jurídico passa a integrar o desenho desde o início, validando fronteiras de instalação, conferindo aderência metodológica e amarrando responsabilidades contratuais com verificadores e fornecedores de dados.

Lei nº 14.904/2024 — Adaptação e risco físico na Política Nacional sobre Mudança do Clima

A Lei Federal nº 14.904/2024 instituiu a Política Nacional de Adaptação à Mudança do Clima e deslocou o risco físico para o campo da gestão de continuidade. Eventos extremos, ondas de calor, estiagens e interrupções de energia impactam logística, produção, qualidade e segurança.

A norma determina a elaboração de planos de adaptação consistentes, com mapeamento de ativos críticos, análise de vulnerabilidades, definição de prioridades e integração com o planejamento orçamentário. Adaptar passa a ser parte do custo de manter a operação em funcionamento. A ausência de preparo gera perdas de produtividade, pressão de seguros e instabilidade contratual.

O ponto que une as três leis é a exigência de governança baseada em dados confiáveis, papéis claros e decisões registradas. Com essa base sólida, é possível avançar para os desafios práticos de execução.

Desafios reais e um roteiro de implementação que funciona

O primeiro desafio tem relação direta com o Plano Nacional de Alocação (PNA). Sem a régua final de alocação setorial, o preço do carbono a ser considerado pelas empresas permanece em faixa. Isso afeta o timing das projeções financeiras e a modelagem de portfólios de redução. A resposta não é esperar a última página da regulamentação, mas sim trabalhar com cenários de preço e de limite de uso de créditos, estabelecendo gatilhos de decisão que se ativam conforme as regras se consolidam.

O segundo desafio é de MRV e governança de dados. Inventário sem trilha de auditoria e sem sistema que preserve integridade de registros estará sempre sob risco de questionamento. A coleta feita por Engenharia e Operações precisa conversar com TI para garantir versionamento, logs, segregação de funções e reprodutibilidade. Sustentabilidade e Jurídico validam consistência metodológica e calendário de entregas. Finanças precisa de uma linha direta com esse fluxo para traduzir emissões em impacto econômico e projetar o portfólio de CBEs. Aqui, investir cedo diminui o custo marginal do carbono e evita retrabalho às vésperas de prazos.

O terceiro desafio é a integração setorial e regional. Planos federais e ações locais caminham em ritmos diferentes, e a infraestrutura pública pressiona cadeias estratégicas de energia e transporte. Mesmo com MRV robusto, uma empresa pode ser afetada por falhas externas se não houver interlocução técnica documentada com órgãos e associações. A tarefa é de engenharia regulatória: construir posição técnica, participar de consultas e comprovar a razoabilidade de critérios que dialoguem com a realidade operacional.

Rocha Cerqueira
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Para que esse arcabouço caiba na rotina de gestão, vale organizar o trabalho em duas fases consecutivas e interligadas.

Fase I — Antecipação legal e posicionamento executivo

Nesta etapa, a prioridade é definir o status regulatório, mapear fronteiras operacionais e montar a arquitetura de conformidade. O Jurídico lidera a leitura de enquadramento, produz pareceres que sustentam o desenho das instalações e conduz o advocacy técnico em consultas públicas e frentes setoriais ligadas ao PNA. Sustentabilidade coleta dados históricos, consolida premissas e documenta métodos. Relações Institucionais organiza a interlocução com associações e com o poder público. Finanças modela cenários de preço e reserva orçamento para verificação independente e tecnologia de dados. TI avalia integrações e requisitos de imutabilidade. Ao final, a empresa deve ter um plano macro de MRV, minuta contratual para verificadores, cronograma de marcos e parecer de posicionamento que oriente decisões diante do PNA.

A lógica é proteger tempo. Quando o PNA for publicado, quem já tiver estrutura pronta ajusta parâmetros; quem atrasar começará a construir com prazo correndo.

Fase II — MRV e baseline com qualidade de auditoria

Com a casa preparada, entra a execução. Engenharia define pontos de medição, frequências e métodos segundo guias aceitos. Operações incorpora a rotina de coleta. TI integra dados de processo e sistemas corporativos, garantindo integridade e rastreabilidade. Sustentabilidade conduz a consolidação, enquanto o Jurídico revisa o Plano de Monitoramento e valida aderência formal e material. O resultado é um baseline sólido, que reduz assimetrias futuras, evita falhas instrumentais e prepara a empresa para a verificação independente. O ganho de curto prazo aparece na previsibilidade orçamentária; o de médio prazo, em melhor posição para negociação de CBEs.

Com as bases operacionais no lugar, chega a hora de tratar dos ativos climáticos com o rigor de quem gere portfólios financeiros.

O risco dos ativos de carbono (MVOC) e a leitura jurídica que sustenta valor

A Lei nº 15.042/2024 não extingue o MVOC. Ela cria o SBCE e define as condições sob as quais créditos voluntários podem ser convertidos para uso no sistema regulado, respeitando metodologias, registros e eventuais limites de uso definidos no PNA. Isso muda a forma como as empresas avaliam seus portfólios. Há créditos com boa chance de conversão para CRVEs aceitos; há créditos que fazem sentido para compromissos voluntários e relacionamento com partes interessadas. Misturar finalidades cria conflito de uso e enfraquece posição de conformidade.

O ponto sensível está nos riscos contratuais. Dois merecem atenção constante:

  1. o risco de dupla contagem, que ocorre quando um crédito é usado para finalidades distintas e exige cláusulas de cancelamento irrevogável e comprovação documental;
  2. o risco de titularidade, relacionado à cadeia de custódia e ao domínio do crédito desde a origem, que pede diligência reforçada pelo Jurídico.

Como o crédito regulado adquire natureza de valor mobiliário, a mesma disciplina aplicada a títulos financeiros passa a valer para estes ativos climáticos.

O jurídico empresarial é responsável por determinar elegibilidade, definir salvaguardas contratuais, conferir registros e alinhar o uso do crédito ao objetivo corporativo. O resultado é um portfólio protegido e coerente, sem exposição desnecessária em auditorias ou fiscalizações.

Política Nacional sobre Mudança do Clima: onde estão as oportunidades

A Política Nacional sobre Mudança do Clima e a Lei nº 15.042/2024 deslocaram o tema do carbono para o centro da agenda econômica. O que antes era tratado como pauta voluntária de sustentabilidade passou a funcionar como ativo financeiro e parâmetro de rating. Esse novo marco cria um divisor claro: enquanto parte das empresas ainda observa a regulação com cautela, outras já transformam o cumprimento das metas climáticas em estratégia de crescimento.

O ponto de virada está na capacidade de ler a norma como vetor de valor. A monetização da eficiência, o acesso a capital verde e o posicionamento antecipado nos setores de transição formam o tripé da vantagem competitiva. A empresa que domina seu inventário, estrutura planos de monitoramento e consolida evidências auditáveis começa a operar com previsibilidade. Reduz volatilidade de custo e converte o carbono em linha de receita.

O mercado regulado oferece a primeira oportunidade concreta de monetização da eficiência. Quem investe em eficiência energética e descarbonização de processos pode emitir abaixo do limite setorial, gerando Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs) excedentes e, com isso, criar ativos de valor negociável. Não se trata de especulação, mas de resultado operacional mensurável. Cada tonelada evitada representa ganho de margem e reforça a disciplina de gestão.

A segunda oportunidade está na atração de capital e no financiamento verde. O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), supervisionado pela CVM, torna o ativo de carbono um instrumento legítimo de crédito e investimento. A transparência do MRV permite que bancos de desenvolvimento e fundos ESG priorizem projetos com desempenho climático comprovado. Empresas que demonstram consistência regulatória e resiliência climática passam a negociar com menor custo de capital e melhor rating.

O terceiro eixo é a vantagem competitiva de primeira entrada. Liderar a transição tecnológica, em captura e armazenamento de carbono, hidrogênio verde ou renovação de frota, significa modelar o futuro do setor. As empresas que participam de consultas do Plano Nacional de Alocação (PNA) e contribuem com dados técnicos moldam os parâmetros que definirão o custo setorial do carbono. Chegar antes permite definir a régua e consolidar posição.

A Política Nacional sobre Mudança do Clima, em sua versão atualizada, exige da alta direção urgência técnica e visão de longo prazo. Inércia regulatória virou risco financeiro. A conformidade passou a compor a equação de valor. O movimento agora é institucional: estruturar governança climática, proteger dados e documentar decisões.

A Rocha Cerqueira atua justamente nessa fronteira: unindo estratégia jurídica, due diligence e tecnologia. Nossa combinação de consultoria legal e auditoria transforma a incerteza regulatória do SBCE em um instrumento de governança sustentável, garantindo que a empresa não apenas cumpra a norma, mas consiga transformá-la em vantagem competitiva.

O tempo de esperar acabou. Quem lidera precisa agir agora, com informação precisa, dados confiáveis e decisões juridicamente sólidas.

O que muda para a diretoria com a Política Nacional sobre Mudança do Clima?

A governança climática passa a ter efeito jurídico e financeiro. Decisões sobre CAPEX, seguros e contratos precisam considerar MRV auditável, verificação independente e conciliação com CBEs no âmbito do SBCE.

PNMC, SBCE e Adaptação se conectam como no dia a dia da empresa?

A PNMC institucionaliza políticas e responsabilidades. O SBCE define medição, reporte, verificação e conciliação com CBEs. A Política de Adaptação leva o risco físico para o orçamento e para a continuidade de operação.

O que entra no MRV para não sofrer em verificação independente?

Plano de Monitoramento consistente, fronteiras bem definidas, trilhas de dados reprodutíveis, logs, versionamento e reconciliações formais. Sem isso, a verificação reprova e a conciliação com CBEs fica comprometida.

O Plano Nacional de Alocação (PNA) afeta o que exatamente?

Define tetos setoriais e critérios de distribuição que influenciam o custo de carbono por operador. Trabalhe com cenários enquanto o PNA não estiver publicado para proteger tempo e orçamento.

O que significa Medição, Reporte e Verificação – MRV (Measurement, Reporting and Verification)?

É o conjunto de procedimentos técnicos que garantem que as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e as ações de mitigação sejam quantificadas com precisão, registradas de forma transparente e auditadas por entidades independentes.
No contexto da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE):
Medição (M): envolve inventários corporativos detalhados de emissões diretas e indiretas;
Reporte (R): trata da comunicação estruturada desses dados a órgãos reguladores e mercados;
Verificação (V): é a auditoria independente que confirma a consistência dos dados e métodos usados.
Em resumo, o MRV é o núcleo técnico que transforma a gestão climática em obrigação jurídica e financeira, pois conecta evidências de emissões à conformidade regulatória e à precificação do carbono.

O que cabe à assessoria jurídica?

A assessoria jurídica atua como extensão da gestão, lendo o cenário regulatório do cliente e ajustando governança, contratos e evidências sem engessar processos. O foco é reduzir risco e qualificar dados para auditorias e dar previsibilidade às decisões. Trabalhamos com MRV, verificação independente e adequações contratuais quando necessário, sempre conforme o setor e o porte.
A entrega deve combinar orientação prática, documentos prontos para uso e registros que sustentam escolhas executivas. Resultado: menos exposição a sanções, menos retrabalho e mais tempo do time interno para o que movimenta o negócio.

Adriana Rocha de Cerqueira

Gestora do Setor de Inteligência de dados. Atuação e expertise centradas em valer das competências digitais e metodologias ágeis para proporcionar aos profissionais e às organizações a melhor experiência com o acesso à informação jurídica.

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OAB MG 3.057

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