PL 21592021 aprovado na Câmara

PL 2159/2021: Projeto de Lei para o licenciamento ambiental no Brasil

Sumário

PL 2159/2021 trata do licenciamento ambiental, um dos principais institutos jurídicos do Direito Ambiental brasileiro. Previsto no artigo 225 da Constituição Federal e regulamentado pela Lei 6.938/81, o licenciamento é o procedimento administrativo obrigatório para o controle prévio de atividades com potencial de causar degradação significativa ao meio ambiente e, agora, encontra disciplina específica na redação final aprovada pelo Congresso Nacional em 16 de julho de 2025.

O licenciamento ambiental integra um sistema jurídico mais amplo, estruturado por outros institutos fundamentais do Direito Ambiental. Entre eles, destacam-se:

  • o reconhecimento do meio ambiente como bem jurídico coletivo e essencial à qualidade de vida, previsto no artigo 225 da Constituição Federal;
  • os princípios da prevenção, precaução, poluidor‑pagador, usuário‑pagador e da proporcionalidade nas condicionantes;
  • a responsabilidade civil objetiva pelo dano ambiental, estabelecida no artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81;
  • a competência comum e repartida entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a proteção ambiental, conforme o artigo 23, VI e VII, da Constituição;
  • os instrumentos processuais de defesa, como a ação civil pública e a ação popular ambiental.

Além desses, o arcabouço jurídico inclui mecanismos técnicos como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), o zoneamento ambiental, o Cadastro Técnico Federal e o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA).

É nesse contexto jurídico complexo que o PL 2159/2021 busca instituir a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil, regulamentando o comando constitucional que exige o estudo prévio para atividades potencialmente degradadoras. Sua tramitação, iniciada com o PL 3729/2004, evidencia uma discussão legislativa de mais de duas décadas sobre a necessidade de uniformizar e simplificar os processos de licenciamento no país.

A redação final, aprovada em 17 de julho de 2025, introduz mudanças que impactam diretamente a gestão de riscos, a governança regulatória e a relação entre empreendedores, órgãos ambientais e comunidades.

A seguir, destaco os quatro dispositivos principais do PL 2159/2021 e suas implicações técnicas, com os argumentos favoráveis e contrários apresentados nos debates legislativos:

1- Alterações nas licenças ambientais

O PL 2159/2021 reorganiza o licenciamento em sete modalidades. Quatro delas representam novidade nacional – ou passam de prática regional a figura de alcance federal. O quadro a seguir sintetiza esse movimento:

LicençaSituação antes do PL 2159/2021Tratamento no PL
LP / LI / LONúcleo clássico da Resolução Conama 237/1997, adotado em todo o país.Mantidos sem alteração conceitual.
LAU — Licença Ambiental ÚnicaUsada por alguns estados para fundir instalação e operação num único ato.Ganha status nacional; exige RCA + PCA como base documental.
LAC — Licença por Adesão e CompromissoAutodeclaração de baixo impacto existente apenas em legislações estaduais.Positivada em lei federal; fundamenta‑se em Relatório de Conformidade Ambiental (RCE) e fiscalização amostral.
LOC — Licença de Operação CorretivaFiguras estaduais de “licença corretiva” sem amparo federal explícito.Inserida no art. 26 para regularizar passivos e, se cumprida, extinguir punibilidade ambiental.
LAE — Licença Ambiental EspecialPraticamente inexistente no ordenamento nacional.Criada para projetos estratégicos definidos em decreto, com rito monofásico e prazo de até um ano.

Entre as sete modalidades listadas, três concentraram praticamente todo o calor do debate parlamentar: a LAC, a LAE e a LOC. Autodeclaração de conformidade, rito monofásico para obras estratégicas e regularização de passivos ambientais tocaram em pontos sensíveis de prevenção, fiscalização e segurança jurídica. Por isso, essas licenças merecem exame separado a seguir.

Licença por Adesão e Compromisso (LAC) – autodeclaração

O dispositivo cria a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), permitindo que o próprio empreendedor, por meio de autodeclaração formal, ateste o cumprimento das exigências ambientais para atividades classificadas como de baixo e médio impacto. Trata-se de uma mudança do modelo tradicional, em que o órgão ambiental realizava a análise prévia, para um sistema declaratório com fiscalização posterior.

Entre os argumentos a favor, destaca-se a promessa de maior agilidade nos processos, a redução da carga administrativa para empreendedores e entes públicos, e a otimização do trabalho dos órgãos ambientais, que poderiam concentrar esforços em projetos de maior complexidade.

Os argumentos contrários apontam a fragilização do controle prévio, a preocupação com a suficiência da fiscalização posterior e o risco de violação do princípio da precaução. Também há questionamentos sobre a dispensa de licenciamento para diversas atividades agropecuárias, com receio de que a flexibilização afete a proteção de biomas sensíveis e ecossistemas frágeis.

Licença Ambiental Especial (LAE)

A Licença Ambiental Especial (LAE) estabelece um procedimento mais célere para projetos classificados como “prioritários” pelo Poder Executivo Federal, com prazo máximo de um ano para análise e emissão em rito monofásico, dispensando etapas intermediárias de Licença Prévia e de Instalação.

Os defensores desse dispositivo destacam a necessidade de desbloquear investimentos e acelerar a execução de obras estratégicas para o desenvolvimento econômico, superando entraves burocráticos que dificultam a implantação de projetos essenciais para a infraestrutura do país.

Por outro lado, os críticos levantam preocupações quanto à concentração de poder no Executivo para determinar o que é “prioritário”, à ausência de critérios técnicos claros e objetivos para essa classificação e ao risco de insegurança jurídica. Questiona-se, ainda, se a definição de prioridade não abriria espaço para decisões baseadas em interesses políticos ou econômicos, em detrimento de critérios ambientais rigorosos.

Licença de Operação Corretiva (LOC)

A Licença de Operação Corretiva (LOC) é voltada à regularização de empreendimentos que já se encontram em operação sem licença válida. O empreendedor apresenta Relatório de Controle Ambiental (RCA) e Plano de Controle Ambiental (PCA) — conforme o art. 26 — e firma termo de compromisso com cronograma de adequação. O cumprimento integral dessas condições pode extinguir a punibilidade prevista no art. 60 da Lei 9.605/1998.

Argumentos favoráveis indicam que a LOC oferece um caminho jurídico claro para reduzir passivos ambientais e incentivar a formalização. Os contrários temem que o mecanismo se converta em porta de entrada para atividades que, de outra forma, estariam sujeitas a sanções mais severas, estimulando a “regularização a posteriori” como prática de mercado.

Licença Ambiental Única (LAU)

Consolida num só ato a instalação e a operação de atividades de impacto moderado, com base em Relatório de Controle Ambiental (RCA) e Plano de Controle Ambiental (PCA). Adequada quando a tecnologia empregada é conhecida e os impactos são previsíveis. Críticos alegam que a junção de etapas reduz oportunidades de participação pública; defensores lembram que vários estados já aplicam o modelo sem prejuízo de controle ambiental.

Conceitos operacionais, trâmite com órgãos intervenientes e dispensas

Além das mudanças nas modalidades de licença, o PL 2159/2021 cristaliza definições espaciais e procedimentais que, até agora, variavam de estado para estado.

Passam a ter redação legal unificada: Área de Estudo, Impactos Ambientais Diretos e Indiretos, Área Diretamente Afetada e Área de Influência Direta. A padronização reduz disputas sobre onde incidem obrigações de mitigação, especialmente em empreendimentos lineares ou de grande extensão territorial.

 O PL sistematiza o fluxo de consultas, fixa prazos explícitos para manifestação e, ao mesmo tempo, determina que os pareceres não sejam vinculantes. Na prática, melhora a previsibilidade temporal do processo, mas mantém a palavra final com a autoridade licenciadora.

Rocha Cerqueira

Os arts. 8.º e 9.º consolidam, em lista fechada, intervenções de baixo impacto (manutenção de infraestrutura existente, obras emergenciais, dragagens de rotina, cultivos agropecuários tradicionais, entre outras) que ficam livres de licença, desde que atendam condições pré‑estabelecidas e permaneçam dentro dos limites de porte e tecnologia definidos em regulamento. Essa consolidação traz segurança jurídica para operações rotineiras que antes dependiam de interpretação caso a caso.

2- Inclusão da mineração de grande porte ou alto risco

A reinclusão das atividades de mineração de grande porte ou alto risco no escopo do PL 2159/2021 foi aprovada pelo Senado, revertendo a exclusão realizada na Câmara.

Entre os argumentos favoráveis está a busca por um regime jurídico claro e unificado para um setor com alto potencial de impacto ambiental, garantindo previsibilidade e segurança jurídica para empreendedores e órgãos reguladores. Também se argumenta que um arcabouço legal consolidado pode evitar lacunas regulatórias e interpretações divergentes.

As críticas enfatizam as especificidades técnicas da mineração, como o consumo intensivo de água, a gestão de rejeitos e a necessidade de planos de recuperação de áreas degradadas, e questionam se uma lei geral será capaz de lidar com essas demandas de forma suficientemente detalhada. Há, ainda, preocupações de que a aplicação de mecanismos como a LAC e a LOC à mineração possa flexibilizar o controle ambiental de um setor historicamente marcado por riscos elevados.

3- Descentralização das competências de licenciamento

O PL 2159/2021 amplia a possibilidade de descentralização das competências de licenciamento, permitindo que estados e, especialmente, municípios assumam responsabilidades maiores no processo, de acordo com critérios locais.

Os argumentos a favor destacam que a proximidade da gestão com o território impactado favorece análises mais contextualizadas e decisões mais rápidas. A autonomia local é apontada como fator positivo para a adaptação de exigências às especificidades regionais.

Por outro lado, os argumentos contrários ressaltam o risco de fragmentação regulatória, com padrões de exigência diferentes entre os entes federativos, e o estímulo a uma “corrida para o fundo do poço” (“race to the bottom”), na qual alguns estados ou municípios poderiam flexibilizar normas para atrair investimentos, comprometendo a proteção ambiental em escala nacional. A ausência de diretrizes mínimas claras e uniformes amplia essa preocupação.

4- Desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água

O dispositivo prevê que o processo de licenciamento ambiental e a outorga de uso de recursos hídricos sejam tratados de forma autônoma, sem exigência de obtenção prévia da outorga para a emissão da licença ambiental.

Entre os argumentos favoráveis, está a simplificação dos processos, a eliminação de sobreposições e a aceleração da tramitação de projetos. Essa separação, segundo os proponentes, permitiria que cada etapa fosse analisada dentro de sua esfera de competência, reduzindo entraves burocráticos.

As críticas apontam o risco de decisões desconectadas: a concessão de uma licença ambiental sem a análise prévia da disponibilidade hídrica pode comprometer a sustentabilidade do uso de recursos naturais e gerar conflitos no uso da água. A avaliação integrada é vista como fundamental para a proteção dos recursos hídricos e a viabilidade dos empreendimentos. A redação final inclui salvaguarda que veda exigências inferiores aos critérios mínimos fixados em âmbito federal, atenuando parte dessa preocupação.

Tramitação e impactos do PL 2159/2021

O PL 2159/2021 foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal em 21 de maio de 2025 e, após ajustes na Câmara dos Deputados, teve sua redação final aprovada em 17 de julho de 2025. O Projeto de Lei segue agora para:

  • sanção presidencial, que poderá ser total ou parcial;
  • eventual veto, sujeito a apreciação do Congresso Nacional.

Mesmo após a sanção e promulgação, a lei poderá ser questionada no Poder Judiciário, especialmente perante o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de mecanismos de controle de constitucionalidade.presidencial e a promulgação, a lei poderá ser questionada no Poder Judiciário, especialmente perante o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do mecanismo de controle de constitucionalidade.

PL 2159/2021: riscos e ajustes para a gestão ambiental empresarial

Independentemente do desfecho, as mudanças previstas no PL 2159/2021 já demandam atenção estratégica pelas empresas e demais atores envolvidos, dado o potencial impacto sobre a gestão de riscos e a conformidade ambiental nos empreendimentos.

A introdução de mecanismos como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença de Operação Corretiva (LOC) desloca parte da responsabilidade pelo cumprimento das exigências ambientais para as próprias empresas, o que exige o fortalecimento dos processos internos de controle e o desenvolvimento de sistemas robustos para assegurar que as condições legais e técnicas sejam efetivamente cumpridas.

O novo formato de licenciamento, associado à possibilidade de autodeclaração, à priorização de projetos estratégicos pela LAE e à ampliação das competências locais, impõe às organizações a necessidade de vigilância constante sobre mudanças normativas, especialmente no que diz respeito à definição de projetos prioritários pelo Poder Executivo e à regulamentação diferenciada por estados e municípios. A capacidade de interpretar essas nuances, compreender as variações regionais e antecipar exigências específicas será determinante para manter a conformidade e mitigar riscos.

A gestão de riscos também precisará ser ajustada para considerar as incertezas decorrentes das alterações propostas, como interpretações divergentes, potenciais lacunas regulatórias e a judicialização de decisões administrativas. Isso exige uma leitura estratégica sobre o escopo de cada instrumento previsto na nova lei e a avaliação criteriosa de como as regras se aplicam a diferentes tipos de projetos e setores.

Por fim, a complexidade técnica da nova legislação e o volume de alterações regulatórias projetadas tornam essencial a revisão das competências internas. Equipes precisarão ser capacitadas para lidar com a implementação prática dos dispositivos, e, em muitos casos, será necessário buscar suporte especializado para interpretar corretamente as exigências e garantir o atendimento às novas obrigações, sem expor o negócio a riscos desnecessários.

De modo não prescritivo, vale destacar três eixos de atenção empresarial enquanto o processo legislativo amadurece:

  1. Risco político: a probabilidade de mudanças súbitas em razão de vetos ou decisões cautelares recomenda análises de cenário em múltiplas versões do texto.
  2. Risco operacional: a eventual autodeclaração prevista na LAC transfere para o empreendedor a carga probatória de conformidade; quem optar por esse rito precisará de governança robusta para documentar controles, sem depender exclusivamente de fiscalização ex‑post.
  3. Risco reputacional: a transparência na divulgação de licenças e relatórios foi reforçada em vários artigos, o que eleva a sensibilidade pública a falhas de compliance ambiental. Estratégias de comunicação e diálogo comunitário tornam‑se tão relevantes quanto os requisitos técnicos.

Na Rocha Cerqueira, acompanhamos de forma contínua a tramitação do PL 2159/2021, com olhar atento às discussões técnicas, políticas e regulatórias que podem impactar os negócios e as práticas de gestão ambiental. Seguimos à disposição para esclarecer pontos específicos e contribuir para análises estratégicas sobre os desdobramentos desse processo legislativo.

1ª versão em 29/05/2025. Atualização em 18/07/2025 – Conteúdo elaborado com o apoio de Adriana Rocha Cerqueira.

Amanda Pereira de Almeida
Amanda Pereira de Almeida

Advogada Associada da Rocha Cerqueira, graduada em Direito e pós-graduanda em Direito Ambiental e Minerário pela PUC Minas. Atua na área de Inteligência de dados, no monitoramento de legislações, requisitos legais e análise jurídica de normativas.

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