PL 2159/2021 trata do licenciamento ambiental, um dos principais institutos jurídicos do Direito Ambiental brasileiro. Previsto no artigo 225 da Constituição Federal e regulamentado pela Lei 6.938/81, o licenciamento é o procedimento administrativo obrigatório para o controle prévio de atividades com potencial de causar degradação significativa ao meio ambiente.
O licenciamento ambiental integra um sistema jurídico mais amplo, estruturado por outros institutos fundamentais do Direito Ambiental. Entre eles, destacam-se:
- o reconhecimento do meio ambiente como bem jurídico coletivo e essencial à qualidade de vida, previsto no artigo 225 da Constituição Federal;
- os princípios da prevenção, precaução, poluidor-pagador, usuário-pagador e da função socioambiental da propriedade;
- a responsabilidade civil objetiva pelo dano ambiental, estabelecida no artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81;
- a competência comum e repartida entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a proteção ambiental, conforme o artigo 23, VI e VII, da Constituição;
- os instrumentos processuais de defesa, como a ação civil pública e a ação popular ambiental.
Além desses, o arcabouço jurídico inclui mecanismos técnicos como o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), o zoneamento ambiental, o Cadastro Técnico Federal e o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA).
É nesse contexto jurídico complexo que o PL 2159/2021 busca instituir a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil, regulamentando o comando constitucional que exige o estudo prévio para atividades potencialmente degradadoras. Sua tramitação, iniciada com o PL 3729/2004, evidencia uma discussão legislativa de mais de duas décadas sobre a necessidade de uniformizar e simplificar os processos de licenciamento no país.
A versão aprovada pelo Senado Federal em 21 de maio de 2025 introduz mudanças que impactam diretamente a gestão de riscos, a governança regulatória e a relação entre empreendedores, órgãos ambientais e comunidades.
A seguir, destaco os cinco dispositivos principais do PL 2159/2021 e suas implicações técnicas, com os argumentos favoráveis e contrários apresentados nos debates legislativos:
Licença por Adesão e Compromisso (LAC) – autodeclaração
O dispositivo cria a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), permitindo que o próprio empreendedor, por meio de autodeclaração formal, ateste o cumprimento das exigências ambientais para atividades classificadas como de baixo e médio impacto. Trata-se de uma mudança do modelo tradicional, em que o órgão ambiental realizava a análise prévia, para um sistema declaratório com fiscalização posterior.
Entre os argumentos a favor, destaca-se a promessa de maior agilidade nos processos, a redução da carga administrativa para empreendedores e entes públicos, e a otimização do trabalho dos órgãos ambientais, que poderiam concentrar esforços em projetos de maior complexidade.
Os argumentos contrários apontam a fragilização do controle prévio, a preocupação com a suficiência da fiscalização posterior e o risco de violação do princípio da precaução. Também há questionamentos sobre a dispensa de licenciamento para diversas atividades agropecuárias, com receio de que a flexibilização afete a proteção de biomas sensíveis e ecossistemas frágeis.
Licença Ambiental Especial (LAE)
A Licença Ambiental Especial (LAE) estabelece um procedimento mais célere para projetos classificados como “prioritários” pelo Poder Executivo Federal, com prazo máximo de um ano para análise e emissão.
Os defensores desse dispositivo destacam a necessidade de desbloquear investimentos e acelerar a execução de obras estratégicas para o desenvolvimento econômico, superando entraves burocráticos que dificultam a implantação de projetos essenciais para a infraestrutura do país.
Por outro lado, os críticos levantam preocupações quanto à concentração de poder no Executivo para determinar o que é “prioritário”, à ausência de critérios técnicos claros e objetivos para essa classificação e ao risco de insegurança jurídica. Questiona-se, ainda, se a definição de prioridade não abriria espaço para decisões baseadas em interesses políticos ou econômicos, em detrimento de critérios ambientais rigorosos.
Inclusão da mineração de grande porte ou alto risco
A reinclusão das atividades de mineração de grande porte ou alto risco no escopo do PL 2159/2021 foi aprovada pelo Senado, revertendo a exclusão realizada na Câmara.
Entre os argumentos favoráveis está a busca por um regime jurídico claro e unificado para um setor com alto potencial de impacto ambiental, garantindo previsibilidade e segurança jurídica para empreendedores e órgãos reguladores. Também se argumenta que um arcabouço legal consolidado pode evitar lacunas regulatórias e interpretações divergentes.
As críticas enfatizam as especificidades técnicas da mineração, como o consumo intensivo de água, a gestão de rejeitos e a necessidade de planos de recuperação de áreas degradadas, e questionam se uma lei geral será capaz de lidar com essas demandas de forma suficientemente detalhada. Há, ainda, preocupações de que a aplicação de mecanismos como a LAC e a LAE à mineração possa flexibilizar o controle ambiental de um setor historicamente marcado por riscos elevados.
Descentralização das competências de licenciamento
O PL 2159/2021 amplia a possibilidade de descentralização das competências de licenciamento, permitindo que estados e, especialmente, municípios assumam responsabilidades maiores no processo, de acordo com critérios locais.
Os argumentos a favor destacam que a proximidade da gestão com o território impactado favorece análises mais contextualizadas e decisões mais rápidas. A autonomia local é apontada como fator positivo para a adaptação de exigências às especificidades regionais.
Por outro lado, os argumentos contrários ressaltam o risco de fragmentação regulatória, com padrões de exigência diferentes entre os entes federativos, e o estímulo a uma “corrida para o fundo do poço” (“race to the bottom”), na qual alguns estados ou municípios poderiam flexibilizar normas para atrair investimentos, comprometendo a proteção ambiental em escala nacional. A ausência de diretrizes mínimas claras e uniformes amplia essa preocupação.
Desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água
O dispositivo prevê que o processo de licenciamento ambiental e a outorga de uso de recursos hídricos sejam tratados de forma autônoma, sem exigência de obtenção prévia da outorga para a emissão da licença ambiental.
Entre os argumentos favoráveis, está a simplificação dos processos, a eliminação de sobreposições e a aceleração da tramitação de projetos. Essa separação, segundo os proponentes, permitiria que cada etapa fosse analisada dentro de sua esfera de competência, reduzindo entraves burocráticos.
As críticas apontam o risco de decisões desconectadas: a concessão de uma licença ambiental sem a análise prévia da disponibilidade hídrica pode comprometer a sustentabilidade do uso de recursos naturais e gerar conflitos no uso da água. A avaliação integrada é vista como fundamental para a proteção dos recursos hídricos e a viabilidade dos empreendimentos.
Tramitação e impactos do PL 2159/2021
O PL 2159/2021 foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal em 21 de maio de 2025, após um processo de debate e emendas nas Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CRA). Dada a alteração do texto no Senado, o Projeto de Lei retornará para a análise da Câmara dos Deputados, onde teve sua origem. A Câmara terá a prerrogativa de:
- Acatar as alterações do Senado: o texto será considerado aprovado pelo Congresso Nacional e seguirá para sanção presidencial.
- Rejeitar as alterações do Senado ou propor novas modificações: nesse caso, o projeto será novamente remetido ao Senado para nova apreciação, em um processo de “ida e volta” entre as Casas, até que se alcance um consenso sobre o texto final.
Após a aprovação unânime em ambas as Casas, o PL 2159/2021 será encaminhado ao Presidente da República para sanção ou veto. A sanção pode ser total ou parcial, e o veto pode ser derrubado por maioria absoluta do Congresso Nacional. Mesmo após a sanção presidencial e a promulgação, a lei poderá ser questionada no Poder Judiciário, especialmente perante o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do mecanismo de controle de constitucionalidade.
PL 2159/2021: riscos e ajustes para a gestão ambiental empresarial
Independentemente do desfecho, as mudanças previstas no PL 2159/2021 já demandam atenção estratégica pelas empresas e demais atores envolvidos, dado o potencial impacto sobre a gestão de riscos e a conformidade ambiental nos empreendimentos.
A introdução de mecanismos como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) desloca parte da responsabilidade pelo cumprimento das exigências ambientais para as próprias empresas, o que exige o fortalecimento dos processos internos de controle e o desenvolvimento de sistemas robustos para assegurar que as condições legais e técnicas sejam efetivamente cumpridas.
O novo formato de licenciamento, associado à possibilidade de autodeclaração e à ampliação das competências locais, impõe às organizações a necessidade de vigilância constante sobre mudanças normativas, especialmente no que diz respeito à definição de projetos prioritários pelo Poder Executivo e à regulamentação diferenciada por estados e municípios. A capacidade de interpretar essas nuances, compreender as variações regionais e antecipar exigências específicas será determinante para manter a conformidade e mitigar riscos.
A gestão de riscos também precisará ser ajustada para considerar as incertezas decorrentes das alterações propostas, como interpretações divergentes, potenciais lacunas regulatórias e a judicialização de decisões administrativas. Isso exige uma leitura estratégica sobre o escopo de cada instrumento previsto na nova lei e a avaliação criteriosa de como as regras se aplicam a diferentes tipos de projetos e setores.
Por fim, a complexidade técnica da nova legislação e o volume de alterações regulatórias projetadas tornam essencial a revisão das competências internas. Equipes precisarão ser capacitadas para lidar com a implementação prática dos dispositivos, e, em muitos casos, será necessário buscar suporte especializado para interpretar corretamente as exigências e garantir o atendimento às novas obrigações, sem expor o negócio a riscos desnecessários.
Na Rocha Cerqueira, acompanhamos de forma contínua a tramitação do PL 2159/2021, com olhar atento às discussões técnicas, políticas e regulatórias que podem impactar os negócios e as práticas de gestão ambiental. Seguimos à disposição para esclarecer pontos específicos e contribuir para análises estratégicas sobre os desdobramentos desse processo legislativo.
Conteúdo elaborado com o apoio de Adriana Rocha Cerqueira.