Resolução da ONU sobre crimes ambientais redefine o enquadramento jurídico de delitos como mineração ilegal, tráfico de fauna, madeira e resíduos perigosos. Aprovada em 23 de maio de 2025, durante a 34ª sessão da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Criminal, em Viena, a Resolução proposta pelo Brasil desloca esses crimes do campo ambientalista para o núcleo do enfrentamento jurídico ao crime organizado.
O documento recomenda à Assembleia Geral o reconhecimento formal desses crimes como “graves” no âmbito da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC), qualificando-os como infrações antecedentes à lavagem de dinheiro.
A medida redefine os contornos legais e operacionais da responsabilidade corporativa em setores que operam com recursos naturais e cadeias logísticas transfronteiriças critérios de governança associados à agenda ESG.
A seguir, examinamos os principais dispositivos da Resolução e os efeitos jurídicos concretos que ela projeta sobre legislações internas, práticas empresariais e mecanismos internacionais de controle e cooperação.
Crimes ambientais tipificados como graves: novas consequências legais
Ao enquadrar o tráfico de fauna e flora, a mineração ilegal, o comércio ilícito de madeira, resíduos perigosos e metais preciosos como crimes graves nos termos do artigo 2(b) da UNTOC, a Resolução pavimenta o caminho para uma reclassificação global desses delitos.
Com isso, amplia-se o campo de aplicação das ferramentas jurídicas destinadas a crimes de alta complexidade e a cooperação interestatal mais intensa. Na redação adotada, a Resolução “encoraja os Estados Membros […] a estabelecerem como crimes graves a mineração ilegal e o tráfico ilícito de minerais e metais preciosos, conforme definido no artigo 2(b) da UNTOC, sempre que a infração for transnacional e envolver grupo criminoso organizado” (Encourages Member States to establish […] the illegal mining of and illicit trafficking in minerals and precious metals as serious crimes, as defined in article 2(b)).
Ao assumir essa classificação, os crimes ambientais ganham acesso ao arsenal jurídico típico do combate à criminalidade financeira e ao narcotráfico.
Integração com o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ilícito
A Resolução da ONU sobre crimes ambientais também insere esses delitos no campo da repressão patrimonial, ao sugerir que os Estados os tratem como delitos antecedentes à lavagem de dinheiro.
Com isso, habilita-se o uso de investigações financeiras, bloqueio de ativos e confisco de bens vinculados ao lucro obtido por meio de operações ilegais. O impacto prático é direto sobre empresas que operam com recursos de origem natural, exigindo controles mais robustos de procedência, licenciamento, transporte e cadeia documental.
Conforme a redação oficial, os Estados devem permitir que “ativos derivados desses crimes possam ser apreendidos, confiscados e alienados” (so that assets derived from such crimes can be seized, confiscated and disposed of). O controle financeiro, portanto, assume papel complementar à fiscalização ambiental e ao enforcement penal.
Resolução da ONU sobre crimes ambientais e a harmonização legal internacional
A recomendação para harmonizar os marcos normativos entre países é outro ponto que torna a Resolução relevante para ambientes empresariais com atuação multijurisdicional.
O texto estimula a criminalização padronizada de condutas como a posse, aquisição, transporte ou venda de espécies ou materiais ambientais ilegais, bem como a falsificação de documentos que atestem sua legalidade. Isso implica uma redefinição dos parâmetros legais de diligência nas cadeias produtivas. A rastreabilidade de produtos deixa de ser uma prática de governança voluntária e passa a ocupar o núcleo de políticas de prevenção ao ilícito ambiental.
Conformidade corporativa sob a Resolução da ONU sobre crimes ambientais
Empresas com exposição a commodities sensíveis, como madeira tropical, ouro, minérios estratégicos, pescado e resíduos, passam a lidar com exigências legais mais rigorosas a partir dos desdobramentos dessa Resolução. Isso impõe uma revisão estruturada dos sistemas de compliance e due diligence, com atenção redobrada aos mecanismos de autenticação documental e à demonstração da origem legal dos insumos. h
Ferramentas tecnológicas de verificação legal, como soluções em blockchain e inteligência aplicada à certificação de legalidade, deixam de ser diferenciais competitivos para ocupar posição central nas estratégias de conformidade.
A recomendação presente na Resolução da ONU sobre crimes ambientais para que os países implementem sistemas de “identificação, rastreabilidade e autenticação […] para aplicações forenses no apoio à persecução penal” consolida esses instrumentos como elementos jurídicos determinantes para a defesa institucional e o gerenciamento de riscos operacionais.
Cooperação internacional como eixo estruturante da responsabilização transnacional
O documento reforça que os crimes ambientais, por sua natureza, requerem integração entre países de origem, trânsito e destino. Tal articulação abrange a troca de dados, investigação conjunta, repatriação de fauna viva, perícia especializada e análise de fluxos financeiros.
A Resolução solicita que os Estados cooperem com “as partes interessadas relevantes para identificar e promover o uso de soluções que utilizem tecnologia, particularmente para rastreabilidade, identificação e autenticação”. Essa diretriz amplia o papel das auditorias externas, das parcerias com entes científicos e das interações com autoridades ambientais e criminais de diferentes jurisdições, elevando o grau de responsabilidade das empresas transnacionais na manutenção de um fluxo legal e auditável de bens e insumos.
Protocolo adicional e o futuro normativo da Resolução da ONU sobre crimes ambientais
Um dos movimentos mais estratégicos presentes no texto da Resolução é o incentivo ao debate sobre um protocolo adicional à Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, voltado exclusivamente para os crimes ambientais.
Tal protocolo poderia padronizar práticas de investigação, estabelecer critérios mínimos de criminalização e consolidar a rastreabilidade como exigência legal internacional. Para os setores produtivos, esse avanço representaria uma nova camada de regulação jurídica, cujos efeitos se estenderiam à contratação de fornecedores, à negociação com investidores e à resposta a órgãos reguladores e auditorias ESG.
A proposta encontra respaldo crescente entre os Estados. Segundo levantamento da Iniciativa Global para Acabar com o Crime contra a Vida Selvagem, solicitado por Angola, 78% dos países que responderam demonstraram apoio à elaboração de um protocolo específico ou, ao menos, disposição para debater o tema.
Com o mandato conferido ao comitê de especialistas no âmbito da UNTOC, caberá agora a esse grupo confirmar as lacunas identificadas e indicar, de forma técnica, a viabilidade jurídica e política de um ou mais protocolos adicionais voltados à repressão de crimes ambientais.
O que muda na prática para empresas com atuação transnacional
As implicações dessa Resolução transcendem os compromissos diplomáticos. Com a elevação dos crimes ambientais à categoria de crimes graves e a vinculação ao sistema de combate à lavagem de dinheiro, empresas passam a ser cobradas por padrões mais rigorosos de controle e transparência em suas operações. O conceito de diligência devida adquire contornos penais, e os riscos legais se estendem para além das fronteiras ambientais.
Nesse novo cenário, a conformidade deixa de ser tratada como diferencial de governança e passa a configurar exigência jurídica com repercussões concretas na condução dos negócios. Iniciativas como a Certificação IRMA, voltada à mineração responsável, ganham protagonismo ao estabelecer parâmetros verificáveis de legalidade, rastreabilidade e justiça ambiental, que dialogam diretamente com as obrigações agora referendadas em âmbito internacional.
A conexão entre requisitos socioambientais e integridade jurídica se fortalece, consolidando a certificação como ferramenta de mitigação de risco e de adequação ao novo padrão global de responsabilização.
A aplicação prática da Resolução da ONU sobre crimes ambientais exige mais do que atualização normativa. Envolve decisões jurídicas com impacto direto sobre operações, contratos e modelos de controle. É nesse campo em que o jurídico precisa dialogar com sistemas, certificações e cadeias produtivas que a atuação da Rocha Cerqueira tem se consolidado, com respostas técnicas alinhadas às exigências internacionais e às realidades regulatórias de empresas que operam sob exposição constante.