Lei Geral do Licenciamento redefine critérios nacionais, mantém sete modalidades e traz vetos que alteram prazos, competências e uso de licenças especiais.
Lei 15.190/2025, conhecida como Lei Geral do Licenciamento, foi publicada em 8 de agosto de 2025 e estabelece normas gerais para o licenciamento ambiental em todo o país. Ela consolida 7 modalidades de licença (LP, LI, LO, LAU, LAC, LAE, LOC), altera prazos e competências e traz vetos que restringem autodeclaração (LAC), prioridade automática (LAE) e regularização corretiva com anistia (LOC). Entra em vigor em 180 dias, além de ser resultado da conversão do PL 2.159/2021.
A sanção veio acompanhada de vetos pontuais da Presidência, que retiraram trechos classificados nas justificativas oficiais como inconstitucionais ou capazes de fragilizar o controle ambiental. Esses cortes atingem pontos sensíveis, como a autodeclaração na LAC, a regularização corretiva pela LOC e a descentralização de competências.
O que você verá a seguir é uma análise preliminar desses vetos e de seus possíveis efeitos. O objetivo é oferecer uma primeira leitura sobre o alcance das mudanças, considerando tanto o que foi mantido quanto o que dependerá de regulamentação para se tornar aplicável.
As licenças ambientais previstas no Projeto de Lei: o que foi mantido
Começo pelo que permaneceu vigente. A Lei Geral do Licenciamento confirma a existência de sete modalidades de licença ambiental, conforme já previsto no texto do PL 2.159/2021:
- Licença Prévia (LP): autoriza a localização e a concepção do empreendimento ou atividade, atestando a viabilidade ambiental. Já constava do PL e foi mantida sem alterações.
- Licença de Instalação (LI): autoriza o início das obras, desde que cumpridas as exigências da LP. Estava prevista no PL e não sofreu mudanças na sanção.
- Licença de Operação (LO): permite a operação do empreendimento com base nas condições estabelecidas. Também já constava do PL e foi integralmente preservada.
- Licença Ambiental Única (LAU): procedimento em fase única, aplicável a empreendimentos de impacto moderado. Estava prevista no PL como alternativa à tramitação fracionada. Foi mantida no texto final, sem vetos.
- Licença por Adesão e Compromisso (LAC): emissão automática mediante autodeclaração e compromisso formal do empreendedor. A figura foi mantida, mas o artigo que detalhava os critérios de aplicação (art. 22) foi vetado.
- Licença Ambiental Especial (LAE): via processual para projetos estratégicos, definidos em ato do Poder Executivo. Foi preservada como conceito no texto legal, mas o artigo que previa prazos prioritários (art. 25) foi vetado.
- Licença de Operação Corretiva (LOC): regularização de atividades já em operação, sem licença válida anterior. A LOC permanece no texto, mas os dispositivos que previam adesão automática e extinção de punibilidade foram vetados.
Além de consolidar essas modalidades, o texto aprovado preserva a possibilidade de combinação de fases (por exemplo, LP+LI ou LI+LO) e a previsão de licenciamento bifásico para projetos de longo prazo. Os conceitos técnicos estão detalhados no glossário da Lei, permitindo aplicação mais uniforme entre os entes federativos.
A Lei Geral do Licenciamento também mantém o anexo que fixa faixas de influência, como por exemplo, 8 km (em áreas da Amazônia) e 5 km (nas demais regiões) para atividades como portos e termoelétricas e mineração sujeitas ao EIA/RIMA. Esses limites ampliam a abrangência dos estudos ambientais exigidos, especialmente nas fases iniciais de avaliação de impacto.
A partir desse núcleo preservado, os vetos reconfiguram escopos e condicionam parte das inovações à futura regulamentação.
Vetos: quais dispositivos foram suprimidos e por quê
A Presidência da República vetou 63 dispositivos da Lei Geral do Licenciamento, mantendo o restante do texto aprovado pelo Congresso Nacional.
O Governo Federal justifica esses vetos como medidas para evitar fragmentação normativa, assegurar a efetividade do controle ambiental e preservar princípios constitucionais.
As razões detalhadas constam no Despacho Presidencial – Mensagem nº 1.097, de 8 de agosto de 2025, enviada ao Senado Federal e publicada no DOU, e também no documento explicativo “PL do Licenciamento.pdf”, publicado pelo próprio Executivo. Segundo esses documentos, os vetos se apoiam em cinco eixos principais de justificativa:
- Preservação da competência normativa da União e do pacto federativo.
- Prevenção da concorrência regulatória entre entes federativos.
- Proteção de unidades de conservação e povos indígenas.
- Segurança jurídica e efetividade do controle ambiental.
- Vedação à anistia e preservação da responsabilização.
O quadro a seguir apresenta uma amostra de vetos, abrangendo cada um desses eixos e exemplificando seus efeitos práticos.
| Dispositivo vetado | Conteúdo original | Motivo do veto | Efeito prático |
| Art. 3º, XXXV e XXXVI | Definições de porte e potencial poluidor atribuídas a entes federativos | Quebra da uniformidade nacional e violação ao pacto federativo | Critérios seguem padronizados pela União |
| Art. 4º, § 1º | Permitia a cada ente definir tipologias sujeitas a licenciamento | Risco de fragmentação normativa e concorrência regulatória | Tipologias permanecem definidas em âmbito federal |
| Art. 8º, III | Limitava atividades licenciáveis às listas dos entes | Possível exclusão de empreendimentos relevantes; arrastamento do veto ao art. 4º § 1º | Mantida abrangência nacional |
| Art. 11 | LAC para obras de ampliação/pavimentação e saneamento | LAC sem critérios do art. 22; risco de licenciar atividades irregulares | Exige análise prévia e critérios regulamentares |
| Art. 22 | Regulamentava critérios para a LAC, incluindo médio impacto | STF restringe LAC a baixo risco; ampliação seria inconstitucional | LAC depende de regulamentação e não alcança médio impacto |
| Art. 25 | Prazos reduzidos para LAE | Flexibilização excessiva para alto impacto | LAE permanece, mas sem prioridade automática |
| Art. 26, §§ 1–3 e 5º | LOC com adesão automática e extinção de punibilidade | Interpretação de anistia ambiental, vedada pela CF | LOC sem afastar responsabilização |
| Art. 42, I e III | Manifestação de gestores de UC não vinculante | Enfraquecimento do princípio da precaução | Pareceres de UC mantêm força vinculante |
| Arts. 43 e 44, I “a” e “c” | Consulta restrita a TI homologadas e áreas quilombolas tituladas | Fere direitos territoriais reconhecidos no art. 231 da CF | Consulta se aplica mesmo sem homologação/titulação |
| Art. 54, §§ 1º–2º | Regras que limitavam atuação em UC | Fragilização da proteção ambiental | Órgãos gestores mantêm discricionariedade técnica |
| Art. 58 | Responsabilização de poluidores indiretos (contratantes/financiadores) | Potencial insegurança jurídica | Mantida responsabilização nos moldes atuais |
| Art. 61 | UC afetada sempre como beneficiária da compensação | Conflito com SNUC e jurisprudência | Mantida lógica do SNUC e papel do órgão gestor |
Na prática, parte das novidades previstas — como a LAC, a LAE com tramitação diferenciada e a LOC com efeitos ampliados — permanece condicionada a regulamentação infralegal. Isso porque os dispositivos que detalhavam critérios, prazos e procedimentos para sua aplicação foram vetados, e a lei remete a normas complementares para definir esses pontos.
Até que esses regulamentos sejam editados pelo Poder Executivo, empresas e órgãos ambientais seguirão adotando os procedimentos já vigentes. A utilização dessas modalidades, portanto, dependerá da definição formal de escopo, condições e limites em atos normativos específicos.
O que muda nos trâmites, nas competências e na relação com a outorga hídrica
Apesar dos vetos, a Lei Geral do Licenciamento preserva pontos importantes relacionados à articulação entre órgãos licenciadores e intervenientes. O licenciamento continua a depender de pareceres vinculantes de entidades como o IPHAN, a FUNAI e os gestores de unidades de conservação, conforme já definido na Lei Complementar nº 140/2011. O veto ao art. 42 reforça esse vínculo.
O texto também afirma, no caput do art. 4º, que o licenciamento ambiental não depende da prévia emissão de outorgas de uso da água. Isso permite que o processo de licenciamento e o processo de outorga tramitem de forma paralela, o que pode reduzir prazos sem comprometer o controle.
Na questão das competências, embora o texto reconheça a possibilidade de licenciamento ambiental por União, Estados, DF ou Municípios, o veto ao § 1º do art. 4º impede que os entes federativos definam seus próprios critérios de porte e potencial poluidor. Com isso, permanece a centralidade da União na regulação de parâmetros gerais.
Vetos em apreciação e medidas complementares do Executivo
Os vetos presidenciais à Lei nº 15.190/2025 serão analisados pelo Congresso Nacional no processo constitucional de apreciação, etapa que poderá manter ou derrubar total ou parcialmente as supressões feitas pelo Executivo. Paralelamente, o Governo encaminhou ao Legislativo um projeto de lei com redações alternativas para os dispositivos vetados, buscando evitar lacunas regulatórias e manter a coerência do marco nacional de licenciamento.
Outra medida anunciada foi a edição da Medida Provisória nº 1.308, de 8 de agosto de 2025, conferindo eficácia imediata à Licença Ambiental Especial (LAE), modalidade que, na própria Lei Geral do Licenciamento, só entraria em vigor após 180 dias.
A MP estabelece que a LAE será um ato administrativo expedido pela autoridade licenciadora, com condicionantes obrigatórias, voltada a empreendimentos e atividades estratégicos definidos em decreto, a partir de proposta bianual do Conselho de Governo. O procedimento mantém a exigência de EIA/RIMA, mas fixa um prazo máximo de 12 meses para análise e decisão, contado a partir da entrega dos estudos e documentos exigidos.
Entre os diferenciais previstos, estão:
- prioridade na análise pela autoridade licenciadora;
- priorização, por todos os órgãos envolvidos, das anuências e autorizações necessárias;
- definição prévia e centralizada do termo de referência;
- possibilidade de tramitação em etapas, desde que respeitado o prazo total de 12 meses.
Segundo a justificativa apresentada pelo Executivo, a antecipação da aplicação da LAE teria o objetivo de agilizar processos considerados estratégicos, sem dispensar os requisitos técnicos essenciais e mantendo o controle ambiental previsto no regulamento.
A edição dessa Medida Provisória insere efeitos imediatos no licenciamento especial e exemplifica como o novo marco legal já começa a gerar impactos concretos antes mesmo do prazo de vigência integral. É nesse contexto que se destacam alguns riscos regulatórios e pendências de regulamentação que merecem atenção das empresas e órgãos licenciadores.
Atenção à Lei Geral do Licenciamento: riscos regulatórios e pendências de regulamentação
Com a sanção da LEI 15.190/2025, empresas precisarão revisar seus fluxos internos de licenciamento para incorporar as mudanças. Abaixo, alguns pontos críticos que exigem atenção:
- LAC depende de regulamentação – enquanto não houver definição federal ou estadual sobre as atividades elegíveis, não será possível utilizar essa modalidade.
- LAE, com a publicação da Medida Provisória nº 1.308/25, já possui eficácia imediata em razão das atividades estratégicas em andamento, com padrão de exigência consolidado e prazo máximo de análise estabelecido de 12 meses previstos na MP.
- LOC exige cautela – como não há extinção automática de responsabilidade, o uso da licença corretiva exige um plano robusto e transparente de regularização.
- Mineração e grandes projetos – os novos limites de área de influência implicam revisão de modelagens de EIA/Rima em curso.
- Outorga hídrica paralela – licenças podem ser solicitadas sem que a outorga esteja concluída, mas essa deverá ser apresentada antes do início da operação.
Esses pontos mostram que a nova Lei oferece ferramentas de maior flexibilidade procedimental, mas não dispensa o rigor técnico. A relação entre previsão legal e regulamentação infralegal será determinante para que essas modalidades ganhem efetividade prática.
Por que a leitura jurídica da Lei Geral do Licenciamento começa agora
A publicação da LEI 15.190/2025 marca uma etapa importante na consolidação de regras nacionais para o licenciamento ambiental. Mas o trabalho de interpretação jurídica e adequação técnica está apenas começando. Vetos estratégicos mantiveram o texto dentro dos marcos constitucionais, mas também empurraram para decretos e resoluções uma parte significativa da sua aplicabilidade.
A nova Lei Geral do Licenciamento exige que empresas, consultorias e órgãos públicos reconstruam seus procedimentos com atenção às interfaces entre norma, regulamentação e responsabilidade. É nesse espaço, de mediação entre letra da lei e operação concreta, que empresas precisam contar com jurídico ambiental estratégico.

