Assédio no Trabalho: Regulação e CIPA

Assédio no trabalho: regulação, CIPA e fortalecimento da cultura empresarial 

Sumário

O assédio no local de trabalho é um problema global e, há muito, esse tema tem ganhado espaço nas discussões, nas denúncias e as mudanças para combatê-lo tem adquirido força. 

Segundo a Controladoria Geral da União (CGU) do Governo Federal, o assédio é caracterizado por condutas abusivas expressas por meio de palavras, comportamentos, atos, gestos ou escritos danosos à personalidade, dignidade e integridade física ou psíquica de uma pessoa, seja para degradar ou colocar o indivíduo em perigo. 

O que é considerado assédio no trabalho?

Assédio no trabalho abrange comportamentos abusivos, tanto morais quanto sexuais, criando um ambiente hostil para o colaborador. Caracteriza-se por atitudes como vigilância excessiva, críticas à vida particular, desvalorização sem motivo e imposição de tarefas impossíveis.

Tais práticas não apenas afetam a saúde mental da vítima, mas também corroem a solidariedade e o respeito mútuo entre colegas, fundamentais para um ambiente de trabalho saudável e produtivo.

Para compreender a magnitude do problema, podemos considerar a Pesquisa KPMG. Buscando um retrato mais fiel da realidade que cerca essa questão e entender de que formas o tema repercute no País, a KPMG realizou um estudo abrangente, com a participação de mais de mil pessoas. Os resultados podem ser conferidos no Mapa do Assédio no Brasil. 

A pesquisa analisou em quais ambientes, tanto públicos quanto privados, ocorrem mais casos de assédio, bem como as regiões com maior incidência. De acordo com a amostragem, a maioria das ocorrências foram registradas no Sudeste, representando um terço do total de casos no ambiente de trabalho. O estudo revela ainda que a maioria das vítimas opta por não denunciar, que muitas vezes o silêncio decorre da falta de canais adequados para apoio e reparação. 

Quais são os tipos de assédio?

O estudo da KPMG trabalhou com as seguintes tipificações: assédio moral ou psicológico; assédio sexual; discriminação; retaliação; e assédio virtual. Foi incluída a opção “outros” para casos em que os entrevistados tenham sofrido alguma forma de violência no trabalho que não se enquadre nas opções sugeridas. 

A maior parte (42%) dos casos de assédio enfrentados pelas pessoas que já foram vitimadas no ambiente de trabalho enquadra-se na categoria “moral ou psicológico”; o assédio sexual ocupa a segunda posição, com 26% das menções. Os respondentes podiam escolher mais de um tipo de assédio e os resultados foram os seguintes:

Os números, embora alarmantes, são apenas a ponta do iceberg, evidenciando o quanto é necessário avançar na luta contra esse mal que tem implicações que vão além do ambiente profissional. As vítimas têm a saúde mental, a confiança e o bem-estar prejudicados, refletindo também no ambiente de trabalho como um todo. Em meio a essa realidade, a regulamentação eficaz e medidas preventivas torna-se imperativas. 

Assédio no trabalho e a crescente regulamentação 

Reconhecendo essa demanda, várias regras têm surgido e precisam ser incorporadas à gestão das empresas. A título de exemplo, podemos traçar uma curta linha do tempo com normas que foram editadas nos últimos meses: 

Em São Paulo, o Decreto n° 67.856/23 aborda a regulamentação da Lei n° 17.621/23, que obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco, e da Lei n° 17.635/23 que dispõe sobre a capacitação dos funcionários desses estabelecimentos para identificar e combater o assédio sexual e a cultura do estupro praticados contra as mulheres. Além disso, ele institui o protocolo “Não se Cale” de atendimento às mulheres que se encontrem em situação de risco ou sejam vítimas de violência nos estabelecimentos indicados.  

Lei n° 14.457/22

No âmbito Federal, a Lei n° 14.457/22 instituiu o Programa Emprega + Mulheres e alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), visando à inserção e à manutenção de mulheres no mercado de trabalho por meio da implementação de várias medidas. Dentre outros pontos, a norma estabeleceu o apoio à parentalidade na primeira infância, flexibilizou o regime de trabalho para apoiar a parentalidade, incentiva a qualificação de mulheres em áreas estratégicas para a ascensão profissional, promove o apoio no retorno ao trabalho das mulheres após o término da licença-maternidade, reconhece boas práticas na promoção da empregabilidade das mulheres por meio da instituição do Selo Emprega + Mulher, trouxe medidas de prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no âmbito do trabalho, e estimula o microcrédito para mulheres. 

Ainda, seguindo o exemplo de outros estados brasileiros como o Rio de Janeiro, Goiás assegurou às mulheres o direito a um acompanhante, de sua livre escolha, nas consultas e exames em geral, em procedimentos cirúrgicos ou qualquer outro que exija a sedação, nos estabelecimentos públicos e privados de saúde. Isso significa que as mulheres podem escolher uma pessoa para acompanhá-las durante esses procedimentos, proporcionando maior conforto e segurança. 

Estas leis não são apenas palavras no papel, mas ferramentas ativas na promoção de ambientes de trabalho mais seguros e inclusivos. 

Rocha Cerqueira

Assédio no trabalho e a nova função da CIPA 

A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) é historicamente reconhecida por suas ações focadas na prevenção de acidentes e promoção da segurança nos ambientes de trabalho. No entanto, diante da complexidade e evolução dos problemas nas relações laborais, a CIPA enfrenta uma nova e vital missão: combater o assédio. 

Além dos pontos citados acima, a Lei n° 14.457/22 também enfatiza a importância de combater o assédio e todas as formas de violência no ambiente laboral e impõe a obrigatoriedade de se instituir uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio (CIPA) em empresas com mais de 20 funcionários. 

Essa comissão agora deve reconhecer e abordar o assédio como um risco ocupacional, garantindo mecanismos eficazes de denúncia e resposta, promovendo treinamentos, campanhas de conscientização e desenvolvendo uma cultura organizacional de zero tolerância ao assédio. 

A nova função da CIPA não se limita apenas a atuar como um corpo reativo, mas, principalmente, como um agente proativo. Com forte caráter preventivo, a lei prevê a implementação de um calendário de capacitação e treinamento sobre temas como violência, assédio, igualdade e diversidade, com foco em todos os níveis hierárquicos.  

Os membros devem ser capacitados para identificar comportamentos inadequados, mesmo antes que se transformem em situações de assédio. Por meio de uma atuação conjunta com setores de recursos humanos, jurídico e gestão, a CIPA deve também assegurar que vítimas de assédio tenham suporte adequado, protegendo-as de retaliações e garantindo a correção de comportamentos inapropriados.  

O intuito é promover uma cultura corporativa de respeito, ética e transparência, embasada na nova legislação, que representa uma oportunidade de mudar drasticamente o cenário do assédio no Brasil. 

Fortalecimento da cultura e governança 

O combate ao assédio no ambiente de trabalho é tanto uma questão de governança corporativa quanto uma necessidade cultural. Culturas organizacionais sólidas são aquelas que respeitam todos os indivíduos, independentemente de sua posição, gênero, raça ou qualquer outra característica. 

Promover uma cultura de respeito e inclusão implica no investimento em treinamentos regulares, workshops e outros mecanismos de capacitação que reforcem os valores da empresa e a importância do respeito mútuo. É necessário também estabelecer canais claros de comunicação para denúncias e feedbacks, garantindo que todas as vozes sejam ouvidas e que ações sejam tomadas de maneira ágil e justa. 

Considerando o aspecto da governança, é vital que as empresas tenham políticas claras, procedimentos de responsabilização e mecanismos de monitoramento. A governança eficaz não só estabelece as regras, mas garante que elas sejam seguidas, avaliando continuamente sua eficácia e ajustando-as conforme necessário. 

Além disso, a integração das práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) alinha o combate ao assédio com outras metas sustentáveis da organização, reforçando seu compromisso com um futuro mais justo e equitativo. 

Dessa forma, reforçamos que o combate e a prevenção ao assédio no local de trabalho vão além da regulamentação. É sobre criar um ambiente onde todos se sintam seguros, valorizados e respeitados. Enquanto as leis e regulamentações fornecem uma estrutura, a verdadeira mudança vem da conscientização, educação e ação contínua. 

Nesse sentido, também é fundamental relacionar tais esforços com metas maiores, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Reiterando que o combate ao assédio está interligado a um objetivo maior de desenvolvimento sustentável e responsabilidade corporativa. 

Vamos continuar esta conversa?

Compartilho com você o episódio do Podcast Legal “Cultura organizacional e enfrentamento ao assédio: Sua organização está preparada “. Nele, a advogada Natália Marra fala dos desafios relacionados ao combate do assédio no ambiente de trabalho, sobre a legislação brasileira, aborda a dúvida a respeito da necessidade de organizações com bares, restaurantes e ambulatórios, não como atividade fim, se adequarem e destaca a atuação ampliada da CIPA. Vale conferir: 

Toda a equipe Rocha Cerqueira segue à disposição para esclarecer dúvidas sobre este tema ou outros relacionados à Saúde e Segurança no Trabalho e Sustentabilidade. Quer enviar-nos uma pergunta ou sugestão? Clique aqui e deixe sua mensagem ou nos chame pelo Whatsapp.

Amanda Pereira de Almeida
Amanda Pereira de Almeida

Advogada Associada da Rocha Cerqueira, graduada em Direito e pós-graduanda em Direito Ambiental e Minerário pela PUC Minas.Atua na área de Inteligência de dados, no monitoramento de legislações, requisitos legais e análise jurídica de normativas.

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