4 de julho de 2025: a partir desta data, a Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ) perde validade como instrumento de conformidade legal no Brasil. Seu lugar passa a ser ocupado pela Ficha de Dados de Segurança (FDS), conforme definido pela ABNT NBR 14725:2023. Empresas que ainda operam com fichas no modelo antigo — mesmo que atualizadas — passam a incorrer em risco jurídico e técnico direto.
Esse movimento exige reestruturação documental, revisão técnica de substâncias, nova leitura do risco químico e revisão do arcabouço legal que respalda a responsabilidade corporativa na cadeia produtiva.
Como a FISPQ se tornou obsoleta: limites de uma estrutura técnica que não acompanhou o GHS
Durante mais de uma década, a FISPQ foi o principal documento técnico adotado no Brasil para comunicação de perigos relacionados a produtos químicos. Estruturada em 16 seções, ela foi regulamentada pela ABNT NBR 14725-4:2012 e suas complementares. Sua existência consolidava a adesão brasileira ao Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS), conforme diretrizes da ONU.
No entanto, essa adesão era apenas parcial. O modelo da FISPQ se mostrava frágil em pontos centrais:
– ausência de padronização sobre o grau de detalhamento das informações;
– dificuldade em justificar tecnicamente omissões;
– classificação limitada frente às novas edições do GHS;
– e um vácuo normativo sobre a forma de revisar, atualizar ou auditar essas fichas com regularidade.
Esse quadro levou a uma desconexão crescente entre o que era praticado nas empresas e o que os órgãos reguladores internacionais passaram a exigir, especialmente no contexto de exportação e controle transfronteiriço de substâncias químicas.
Duas datas centralizam a transição normativa no Brasil:
03/07/2023 — Publicação da ABNT NBR 14725:2023, consolidando a FDS como novo padrão técnico.
04/07/2025 — Descontinuidade da FISPQ e início da obrigatoriedade da FDS como instrumento de conformidade legal.
O que muda com a publicação da ABNT NBR 14725:2023
A nova norma técnica ABNT NBR 14725, publicada em julho de 2023, com aplicação obrigatória a partir de 4 de julho de 2025, extingue o uso da FISPQ e oficializa a FDS – Ficha de Dados de Segurança como o único modelo válido no Brasil. reestrutura os critérios de elaboração, o conteúdo obrigatório e a forma de apresentar os dados.
A FDS mantém as 16 seções, mas sua elaboração passa a ser orientada por 7 capítulos estruturantes e, principalmente, por 17 anexos técnicos que detalham critérios de classificação de perigos, orientações para rotulagem, fundamentos toxicológicos e limites de exposição ocupacional.
A estrutura agora obriga justificativas técnicas ou legais para qualquer omissão, e a revisão periódica deixa de ser opcional: toda FDS deve conter data de emissão e data de revisão, com controle claro de versões. O modelo anterior, em que a ausência de dados podia ser preenchida com fórmulas genéricas como “não aplicável” ou “não disponível”, já não atende aos critérios de rastreabilidade e robustez técnica da nova norma.
Aspecto | FISPQ | FDS |
Nome e nomenclatura | Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos | Ficha de Dados de Segurança (SDS brasileiro) |
Base normativa | ABNT NBR 14725‑4 (2012) | ABNT NBR 14725:2023 |
Alinhamento internacional | Parcial com GHS | Completo (SDS) com 16 seções e termos GHS |
Estrutura | 16 seções (identificação, perigo etc.) | Mesmas 16 seções; atualizações em conteúdo e seção 3 |
Atualizações técnicas | Menos atualizada | Inclusão de novas classes de perigo, H/P, telefone 24h |
Prazo de transição | N/A | Adaptar até julho de 2025 |
Objetivo | Segurança e conformidade nacional | Segurança global, clareza e harmonização internacional |
A FDS no ordenamento jurídico: obrigatoriedade direta, fundamento normativo e papel estratégico
A obrigatoriedade da FDS no Brasil decorre de uma combinação entre fundamentos legais, compromissos internacionais e práticas regulatórias consolidadas. Ao contrário do que muitos ainda presumem, a FDS não é uma recomendação técnica — ela tem respaldo normativo claro e deve ser interpretada como instrumento de cumprimento legal, trabalhista, ambiental e contratual.
1. Convenção OIT nº 170: o fundamento internacional do direito à informação
A base original do GHS — e, por consequência, da obrigatoriedade das fichas de dados de segurança — está na Convenção nº 170 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 2.657/1998. Essa convenção determina que todo trabalhador que manipule produtos químicos perigosos tem direito à informação clara, compreensível e acessível sobre os riscos associados às substâncias utilizadas em sua atividade. Essa informação deve ser comunicada por meio de:
- Rotulagem padronizada;
- Fichas com dados de segurança;
- Treinamento adequado.
Ou seja: a ficha técnica de segurança — hoje formalizada no Brasil sob o nome de FDS — é parte do cumprimento de uma obrigação jurídica decorrente de tratado internacional ratificado, e não apenas de uma prática recomendada.
2. NR 26: norma regulamentadora que torna a FDS obrigatória no âmbito trabalhista
A NR 26 (Sinalização de Segurança) foi modificada pela Portaria MTE nº 229/2011 para incorporar formalmente os princípios do GHS à legislação trabalhista brasileira. Em seu item 26.2.2, ela estabelece que:
“Os fabricantes e importadores de produtos químicos devem assegurar a classificação de substâncias e misturas e a comunicação dos perigos por meio de rotulagem e de Ficha de Dados de Segurança, com informações em português e compreensíveis ao trabalhador.”
Isso é uma obrigação expressa. A ficha referida aqui, que até 2023 era a FISPQ, passa a ser a FDS a partir da publicação da ABNT NBR 14725:2023. A norma técnica, portanto, é incorporada indiretamente à NR 26 como referência obrigatória para a forma e o conteúdo dessa comunicação.
Assim, a empresa que não fornece FDS conforme a norma técnica atualizada está em descumprimento direto da NR 26, o que configura infração trabalhista autuável e pode ser agravado em caso de acidentes, exposições químicas ou auditorias.
3. Decreto nº 10.088/2019: a vinculação jurídica das normas técnicas da ABNT
O Decreto nº 10.088/2019, que trata da consolidação de atos normativos do Executivo federal, é um ponto-chave para entender a força normativa da FDS. Ele reconhece a validade jurídica de normas técnicas elaboradas por entidades como a ABNT, desde que referenciadas por normas legais ou regulamentadoras, como é o caso da NR 26.
Isso significa que a ABNT NBR 14725:2023 não é apenas uma diretriz técnica — ela tem valor normativo obrigatório, porque a própria NR 26 determina que a comunicação de riscos seja feita por meio de Ficha de Dados de Segurança, e a única norma técnica que regulamenta essa ficha é a da ABNT.
Portanto, a obrigatoriedade da FDS é respaldada juridicamente pelo conjunto: OIT 170 + NR 26 + Decreto 10.088/2019, com apoio da Portaria nº 229/2011, que vincula a norma à estrutura brasileira de SST.
4. Normas que não citam a FDS, mas exigem suas informações
Outras normas, como a NR 20 (Inflamáveis e Combustíveis) e a Resolução ANTT nº 5.998/2022, não citam expressamente a FDS, mas estabelecem requisitos documentais e operacionais que, na prática, só podem ser atendidos com base nas informações contidas na FDS.
Exemplos:
- A NR 20 exige que o empregador tenha um inventário de riscos baseado nas propriedades físico-químicas dos inflamáveis, dados que estão concentrados nas seções 2, 5, 9 e 10 da FDS;
- A Resolução ANTT 5.998/22 exige fichas de emergência e envelopes de transporte com informações sobre risco à saúde humana, à segurança pública e ao meio ambiente, elementos técnicos padronizados na FDS.
Essas normas não criam exigência formal de porte ou emissão da FDS, mas se tornaram operacionalmente dependentes de seu conteúdo, consolidando o documento como referência técnica obrigatória de fato, ainda que não de direito explícito.
5. A FDS como elemento tático em sistemas de gestão e compliance
Além do amparo legal e técnico, a FDS já está integrada a uma série de sistemas normativos e contratuais:
- É critério de auditorias ISO 14001 e ISO 45001;
- É exigida em processos de licenciamento ambiental, onde serve como base para o plano de atendimento a emergências e para os planos de gerenciamento de resíduos;
- É item verificado em due diligences de integridade e sustentabilidade, especialmente em cadeias internacionais;
- É cláusula contratual em compras B2B de insumos químicos em setores como mineração, saneamento, alimentos, cosméticos, transporte, energia e construção.
Por isso, a ausência de FDS ou o uso de modelo desatualizado pode trazer problemas, travar auditorias e invalidar processos regulatórios inteiros, mesmo quando a lei não menciona diretamente a FDS.
Com a obrigatoriedade já consolidada, o que passa a importar é entender o que exatamente a FDS exige e onde as empresas terão que rever estrutura, procedimentos e responsabilidades técnicas.
O que a FDS exige
A seguir, alguns dos principais pontos de ruptura entre o modelo antigo (FISPQ) e o novo modelo normativo:
Inclusão obrigatória de telefone de emergência 24h
A Seção 1 da FDS exige que conste um número ativo, com atendimento técnico em português e operação 24 horas. Isso não figurava como obrigação formal na FISPQ, e exige contratação de serviço ou estruturação interna compatível.
Inclusão de novas classes de perigo
A Seção 2 passa a prever categorias que antes não eram exigidas, como:
- Explosivos dessensibilizados;
- Perigos à camada de ozônio;
- Perigos ao meio ambiente aquático, com novas subcategorias.
Produtos antes considerados “não perigosos” podem agora ter classificação revista, com impacto sobre rotulagem, transporte e exigência de FDS.
Seção 3: composição e transparência técnica
A nova norma exige:
- Número CAS para todos os ingredientes relevantes;
- Faixa de concentração ou justificativa técnica para não a informar;
- Classificação GHS individualizada por ingrediente.
Seção 8: valores-limite e descrição técnica de EPIs
Agora é necessário:
- Referenciar limites de exposição nacionais e internacionais;
- Indicar EPIs com descrição técnica clara — não apenas genérica (“luvas” ou “óculos de proteção”), mas com nível de proteção, tipo de material e situações de uso.
Seção 15: regulamentação aplicável
As empresas precisam indicar a legislação específica que rege o uso, transporte ou armazenamento da substância, conforme sua aplicação. Exige-se, portanto, que o jurídico participe da elaboração, mapeando as normas da ANVISA, MAPA, IBAMA, ANTT, entre outras.
Cumpridos os requisitos, resta a pergunta prática: como elaborar uma FDS que realmente traduza essa exigência técnica em um documento aplicável, confiável e juridicamente válido?
Como elaborar uma FDS válida
A elaboração de uma FDS conforme a ABNT NBR 14725:2023 requer o seguinte processo, conduzido de forma interdisciplinar:
- Levantamento da identidade do produto e uso previsto (nome comercial, categoria, finalidade).
- Mapeamento dos ingredientes e seus dados CAS, incluindo dados toxicológicos, físico-químicos e ecotoxicológicos.
- Aplicação dos critérios de classificação do GHS, conforme os anexos normativos.
- Definição da rotulagem obrigatória: pictogramas, frases H e P, palavras de advertência.
- Preenchimento das 16 seções da ficha, com linguagem técnica, objetiva, validada por especialistas.
- Indicação do telefone de emergência 24h e nome do responsável técnico.
- Inserção das legislações aplicáveis (Seção 15) conforme uso, localidade e riscos envolvidos.
- Revisão técnica conjunta entre áreas de meio ambiente, segurança do trabalho, jurídico e especialistas químicos.
- Controle de versão e garantia de atualização periódica, com base em mudanças normativas ou na composição do produto.
FDS a partir de 04 de julho de 2025: o que fazer imediatamente
A partir de agora, nenhuma empresa poderá alegar desconhecimento ou prazo em aberto. O prazo de transição expirou. O que cabe agora é diagnóstico e correção. Os principais focos de ação imediata são:
- Substituir todas as FISPQs por FDSs válidas;
- Revisar classificações de perigo com base nas novas categorias do GHS;
- Atualizar rótulos e fichas de transporte com base nas informações da FDS;
- Ajustar sistemas internos (SGI, ERP, banco de dados de EPI e treinamentos);
- Consolidar versionamento documental e procedimentos de revisão contínua.
Agora que as providências imediatas estão postas, você já pode retomar a perspectiva mais ampla: compreender o papel da FDS como documento que organiza responsabilidades, sustenta decisões e conecta técnica, risco e conduta institucional.
A FDS como instrumento de articulação entre técnica, risco e decisão
A FDS formaliza os parâmetros de risco assumidos pela empresa em suas operações com produtos químicos. Cada seção registra decisões técnicas que impactam diretamente os controles de exposição, as rotinas operacionais, os treinamentos e as relações contratuais. O que está documentado ali organiza a atuação de múltiplos setores como engenharia, segurança do trabalho, transporte, jurídico e suprimentos e cria uma linha contínua entre responsabilidade técnica e conduta institucional.
Ao integrar classificação de perigos, medidas de controle, referências normativas e contatos de emergência, a FDS estabelece o mínimo exigível para que o risco químico seja tratado com coerência. Serve de base para auditorias, responde a exigências regulatórias e reforça a rastreabilidade das decisões. Em ambientes regulados e sujeitos a fiscalização, sua estrutura técnica é o que sustenta a consistência entre o que a empresa conhece, aplica e comunica.
A transição para a FDS é um dos exemplos de como a gestão técnica precisa caminhar junto com a gestão legal. O conteúdo da FDS, especialmente o que se refere à classificação de perigos, limites de exposição e base normativa, relaciona-se a exigências previstas em diversas normas regulamentadoras e técnicas, como NR 20, NR 26 e a própria ABNT NBR 14725.
É nesse ponto que o uso do Qualifica se torna estratégico.
O sistema permite que os gestores organizem essas exigências de forma estruturada, por meio de checklists vinculados a cada norma — sejam elas regulamentadoras, como as NRs, ou técnicas, como as normas da ABNT, da ANVISA, do IBAMA ou da ANTT. A partir da análise da FDS, por exemplo, o gestor pode:
- consultar os requisitos aplicáveis relacionados a riscos químicos, rotulagem, armazenamento e transporte;
- vincular esses requisitos às unidades e setores onde a substância é usada;
- criar ações e registrar evidências que sustentem auditorias e decisões;
- e acompanhar o andamento do cumprimento legal com rastreabilidade.
Essa lógica, embora aqui ilustrada com o tema da FDS, vale para qualquer área: resíduos, ruído ocupacional, ergonomia, transporte, saneantes, entre outras. A FDS, portanto, exemplifica a necessidade de um sistema que permita ao gestor visualizar, atuar e comprovar conformidade com base no que a norma exige e no que a empresa se compromete a executar.
Para quem vive esse tipo de responsabilidade no dia a dia, saber que existe uma estrutura confiável por trás das exigências faz diferença. O Qualifica está nessa base. E, se fizer sentido para a sua operação, vale conhecer de perto como ele pode funcionar na sua rotina de gestão.