Lesão ambiental

Dano moral coletivo por lesão ambiental: o que decidiu o STJ

Sumário

Lesão ambiental pode gerar dano moral coletivo mesmo sem grande extensão — STJ fixa sete critérios objetivos para orientar a responsabilização

A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu novos parâmetros jurídicos para a configuração do dano moral coletivo em casos de lesão ambiental. A decisão, proferida em maio de 2025 no julgamento do Recurso Especial nº 2.200.069/MT, envolveu a supressão irregular de 19,11 hectares de vegetação nativa na Amazônia Legal, sem autorização dos órgãos ambientais competentes. Apesar de o tribunal estadual ter considerado a área como de “pequena extensão”, o STJ reformou esse entendimento e restabeleceu a condenação por danos morais coletivos.

Mais do que reafirmar a proteção da Floresta Amazônica, o acórdão consolidou sete critérios objetivos que devem orientar a responsabilização civil por dano moral coletivo decorrente de lesão ambiental. A decisão não amplia os contornos legais da responsabilidade objetiva, já consagrada nos arts. 14, §1º, da Lei 6.938/1981 e 1º, I, da Lei 7.347/1985, mas contribui para sua aplicação prática com maior previsibilidade e consistência argumentativa.

A fundamentação adotada no acórdão baseia-se integralmente no voto da ministra relatora Regina Helena Costa, que foi acompanhada por unanimidade pelos demais ministros da 1ª Turma. Em sua manifestação, a relatora estruturou sua análise a partir de sete critérios jurídicos que passaram a servir como diretrizes interpretativas para os casos de lesão ambiental com repercussão extrapatrimonial.

Sete critérios consolidados para caracterizar o dano moral coletivo ambiental em casos de lesão ambiental

O primeiro critério, nos termos propostos pela ministra relatora Regina Helena Costa, delimita o campo de aplicação da responsabilização civil por lesão ambiental. Segundo seu voto, a condenação por danos morais coletivos não decorre automaticamente da violação à legislação ambiental, sendo indispensável a identificação de uma conduta materialmente injusta, ofensiva à natureza em si. Como expressamente consignado, trata-se da necessidade de “constatação de injusta conduta ofensiva à natureza”, e não de mera infração formal ou irregularidade documental.

No segundo critério, a relatora esclarece que o dano moral coletivo ambiental deve ser aferido de forma objetiva, independentemente de qualquer prova de abalo subjetivo ou comoção coletiva. Trata-se de um dano presumido in re ipsa, ou seja, cuja existência se deduz da própria gravidade da lesão ambiental verificada. Em suas palavras: “a constatação de danos imateriais ao meio ambiente […] reclama, em verdade, a intolerabilidade da lesão à natureza e cuja ocorrência é presumida”.

A terceira diretriz aprofunda essa lógica ao reconhecer que, havendo degradação ambiental com alteração das características ecológicas de determinada área, presume-se a existência de dano moral coletivo. A ministra pontua que essa presunção, ainda que relativa, transfere ao infrator o ônus de afastá-la a partir de elementos previstos na legislação ambiental. No voto, ela afirma que “constada a existência de degradação ambiental […], presume-se a lesão intolerável ao meio ambiente e a ocorrência de danos morais coletivos, cabendo ao infrator o ônus de infirmar sua constatação com base em critérios extraídos da legislação ambiental”.

O quarto critério esclarece que a existência de eventual possibilidade de recuperação da área degradada, seja por meios naturais ou por intervenção humana, não elide a configuração do dano imaterial. A ministra Regina Helena Costa rejeita a tese de que a recomposição material seria suficiente para afastar a responsabilidade extrapatrimonial, destacando que “a possibilidade de recomposição material do meio ambiente degradado, de maneira natural ou por intervenção antrópica, não afasta a existência de danos extrapatrimoniais causados à coletividade”.

No quinto critério, a relatora orienta que a análise da conduta lesiva ao meio ambiente leve em conta o acúmulo e a interação de múltiplas ações degradantes praticadas por diferentes agentes. O dano imaterial coletivo, nesse contexto, deve ser reconhecido diante da sinergia de condutas que, em conjunto, fragilizam a integridade ecológica de determinado bioma. Nesse sentido, ela adverte que “ações múltiplas praticadas por agentes distintos […] resultam, em conjunto, em inescusável e injusta ofensa a valores fundamentais da sociedade”.

Rocha Cerqueira
Rocha Cerqueira

O sexto critério trata da fixação do valor da indenização, uma vez reconhecida a existência do dever de reparar. Segundo Regina Helena Costa, o quantum debeatur deve ser definido à luz das especificidades do caso concreto, considerando-se, entre outros fatores, “a contribuição causal do infrator e sua respectiva situação socioeconômica; a extensão e a perenidade do dano; a gravidade da culpa e o proveito obtido com o ilícito”.

Por fim, no sétimo critério, a ministra relatora enfatiza a especial proteção conferida aos biomas classificados como patrimônio nacional pelo art. 225, § 4º, da Constituição Federal. Em tais casos, o dano imaterial coletivo será reconhecido sempre que a conduta, comissiva ou omissiva, comprometer a integridade ecológica ou territorial do bioma afetado, independentemente da área atingida. Como registra em seu voto: “nos biomas arrolados como patrimônio nacional […], o dever coletivo de proteção da biota detém contornos jurídicos mais robustos”, de modo que “há dano imaterial difuso sempre que evidenciada a prática de ações ou omissões que os descaracterizem ou afetem sua integridade ecológica ou territorial, independentemente da extensão da área afetada”.

O caso analisado: dano concreto em contexto de degradação estrutural

O caso concreto analisado pelo STJ deixa isso claro. A área desmatada (19,11 hectares) foi considerada pelo tribunal estadual como de baixa relevância. No entanto, o STJ ponderou que essa avaliação ignora a realidade do contexto: a ação se deu em Juína/MT, município que figura entre os líderes nacionais em desmatamento, dentro de um estado que responde por 19% da destruição acumulada da Amazônia Legal. “A supressão de vegetação nativa situada na Floresta Amazônica, à revelia das autoridades ambientais […] contribui, de maneira inexorável, para a macro lesão ecológica à maior floresta tropical do planeta”, registrou a ministra relatora.

Para além do precedente, o julgamento oferece parâmetros seguros para empresas que desejam estruturar sua defesa jurídica ou sua gestão preventiva de riscos. A responsabilização por lesão ambiental imaterial independe do tamanho da área ou da repercussão social imediata. O que se exige é coerência jurídica e técnica na explicação da conduta adotada.

A leitura técnica do acórdão deixa claro que o cumprimento normativo, por si só, não configura resposta jurídica consistente. É necessário demonstrar que as decisões foram tomadas com método, respaldo jurídico e rastreabilidade. Quando o STJ exige coerência entre conduta e contexto ecológico, está sinalizando que a legitimidade da defesa repousa na capacidade de justificar tecnicamente as escolhas feitas a partir da conduta adotada, nos riscos avaliados e no entendimento normativo que orientou a decisão.

Elementos que fortalecem a coerência jurídica da resposta empresarial

Nesse sentido, a estruturação de uma matriz de risco legal, construída a partir da legislação ambiental aplicável e conectada à realidade da operação, torna-se elemento-chave na formação da resposta jurídica. É isso que temos desenvolvido, em conjunto com nossos clientes: uma gestão que documenta, com precisão, a lógica das decisões preventivas, incorporando variáveis técnicas, normativas e probatórias em um sistema integrado.

Trata-se de atribuir sentido jurídico à gestão cotidiana, algo que só se sustenta quando a ferramenta e a análise caminham juntas, com clareza técnica e responsabilidade compartilhada.

Em suma, o que o STJ reafirma, com precisão argumentativa e rigor metodológico, é que a tutela do meio ambiente exige um olhar mais amplo: que relacione a conduta individual ao processo histórico e aos efeitos acumulativos da degradação. A jurisprudência caminha, assim, para evitar que microcondutas lesivas escapem ao radar do Judiciário, quando somadas produzem exatamente aquilo que se busca evitar: a descaracterização irreversível dos nossos patrimônios ambientais. Esse é, de fato, o ponto de inflexão. E a responsabilidade empresarial, quando bem assessorada, tem papel decisivo na direção que esse processo tomará.

A Rocha Cerqueira segue à disposição para apoiar a estruturação de respostas jurídicas integradas, seja na qualificação da matriz de risco legal com uso do Qualifica NG, seja no assessoramento técnico em processos administrativos e judiciais que envolvam responsabilidade extrapatrimonial por danos ambientais.

Bruna Abreu Pereira

Advogada no setor de Inteligência de Dados da Rocha Cerqueira. Atua na análise normativa, estruturação de requisitos legais no sistema Qualifica e avaliação de risco legal, garantindo que as entregas estejam alinhadas às obrigações jurídicas e aplicáveis à rotina dos clientes. Formada em Direito pela Universidade de Itaúna, aplica sua experiência no contencioso à lógica da conformidade digital e da gestão estratégica de informações jurídicas.

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OAB MG 3.057

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