Mercado de carbono

Mercado de carbono: o que a Lei 15.042/24 significa para empresas e por que é hora de agir

Sumário

O mercado de carbono deixou de ser uma possibilidade distante para se tornar uma realidade regulamentada no Brasil. A publicação da Lei 15.042/24, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), é uma resposta concreta às pressões internacionais e ao compromisso do país com metas climáticas. Mais do que um marco ambiental, a nova regulamentação traz implicações práticas que empresas não podem ignorar.

Era inevitável. Em um contexto global que já impõe barreiras comerciais contra produtos com alta intensidade de emissões, como o mecanismo europeu CBAM, o Brasil precisava estruturar um mercado interno capaz de precificar e monitorar suas emissões. O SBCE surge, portanto, como uma peça central que força grandes emissores a repensarem suas operações e abre espaço para novos modelos de negócio baseados na redução e compensação de gases de efeito estufa (GEE).

Neste artigo, vamos conversar sobre a Lei 15.042/24 em seus detalhes essenciais. Você entenderá o que o SBCE exige, como ele funciona e quais são as suas implicações práticas para o setor produtivo brasileiro.

O que a Lei 15.042/24 realmente regulamenta

Quando olhamos para a Lei 15.042/24, o que salta aos olhos são a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) e o cuidado em estabelecer um sistema estruturado, com diretrizes claras e requisitos exigentes para grandes emissores de gases de efeito estufa (GEE). O texto é extenso e define responsabilidades, cria instrumentos e organiza a governança do mercado de carbono brasileiro.

Na base de tudo, o SBCE funciona como um mecanismo de limitação e controle das emissões. Mas a precisão com que o sistema deve operar – e as penalidades para quem falhar – não deixa dúvidas: estamos falando de um mercado no qual o carbono tem preço, transparência e monitoramento rígido.

O alcance e as exclusões: a linha que separa quem está dentro e quem está fora

A lei começa estabelecendo o que de fato será regulado: qualquer operação no Brasil que emita GEE de forma direta. Essa abrangência coloca no centro do radar instalações industriais, fontes de geração de energia, setores de transporte e demais atividades que ultrapassem os limites estabelecidos.

No entanto, o texto exclui do SBCE a produção primária agropecuária e as infraestruturas diretamente ligadas a ela. Outro ponto relevante são as emissões líquidas. Empresas com atividades em áreas rurais poderão, a critério próprio, contabilizar as remoções de carbono resultantes de seus processos de produção. Isso abre uma janela interessante: projetos de remoção excedente podem ser convertidos em créditos negociáveis no mercado, desde que registrados no SBCE. A lei, porém, é categórica: o excedente não se transforma automaticamente em Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs). Ele deve passar pelo rigoroso processo de registro e validação exigido pelo sistema.

Princípios e fundamentos: o equilíbrio entre controle e previsibilidade

Para dar forma ao SBCE, a lei estabelece princípios que sustentam seu funcionamento. Aqui, dois pilares merecem destaque: previsibilidade e transparência. Empresas não podem operar no escuro. Cada tonelada de CO₂ emitida, cada crédito registrado e cada cota transacionada devem ser rastreados e auditados, sob o risco de penalidades severas.

Outro ponto central é a gradualidade. A lei prevê uma implementação por fases, criando um ambiente de transição onde as empresas terão tempo para adaptar seus processos e estratégias. É um modelo que busca evitar choques econômicos, mas que também exige atenção: a regulamentação será dinâmica e a margem para atrasos é uma preocupação real.

Ao lado da transparência e da gradualidade, há ainda um foco claro na segurança jurídica. O texto busca harmonizar o SBCE com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e os compromissos internacionais do Brasil, garantindo que o mercado regulado dialogue com as exigências globais e traga credibilidade às transações de carbono.

A governança do mercado de carbono: quem faz o quê?

Um sistema tão complexo exige uma governança robusta, e a lei distribui as responsabilidades em três esferas. O Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) assume o papel estratégico, definindo diretrizes e aprovando o Plano Nacional de Alocação, peça-chave que estabelecerá os limites setoriais de emissão.

Na ponta executiva está o órgão gestor do SBCE, que carrega a missão crítica de operacionalizar o sistema:

  • Emitir as Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) e organizar os leilões.
  • Validar os Planos de Monitoramento de Emissões submetidos pelas empresas.
  • Receber, auditar e registrar os relatórios anuais de emissões líquidas.
  • Garantir a rastreabilidade de CBEs e CRVEs no Registro Central, plataforma digital que concentrará todas as informações do mercado.

Por fim, o Comitê Técnico Consultivo cumpre um papel de bastidor: fornecer recomendações técnicas e garantir que o sistema evolua de maneira consistente, alinhada com os interesses econômicos e ambientais do país.

CBEs e CRVEs: os instrumentos que movimentam o mercado

O SBCE gira em torno de dois ativos principais: as Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) e os Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs). Ambos são fundamentais para a dinâmica do sistema, mas operam de formas distintas.

As CBEs são a base do mercado: representam o direito de emissão de uma tonelada de CO₂ equivalente. Cada setor receberá um limite específico, definido no Plano Nacional de Alocação, e as CBEs poderão ser distribuídas gratuitamente ou leiloadas pelo órgão gestor.

Já os CRVEs funcionam como contrapeso. Eles são créditos gerados por projetos de mitigação ou remoção de carbono, como iniciativas de reflorestamento, captura de metano ou tecnologias de sequestro de carbono. Empresas que ultrapassarem suas CBEs terão que adquirir CRVEs para compensar o excedente. Aqui, a rastreabilidade e a validação são vitais: o crédito só terá valor se passar pelo crivo rigoroso do SBCE.

A lei ainda coloca os ativos do SBCE sob a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), deixando claro que CBEs e CRVEs serão tratados como valores mobiliários no mercado financeiro. Isso abre um leque de oportunidades para empresas que enxergam o carbono como um ativo estratégico, mas também traz um alerta: o mercado operará sob escrutínio constante.

Tributação dos ativos: como os ganhos com CBEs e CRVEs serão tratados

O mercado de carbono, sob a Lei 15.042/24, introduz um aspecto financeiro inevitável: a tributação dos ganhos com Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) e Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs). A norma é específica em tratar os ativos do SBCE como valores mobiliários quando negociados no mercado financeiro, o que os coloca sob escrutínio fiscal.

Empresas que comercializarem CBEs ou CRVEs, ou obtiverem ganhos em suas operações, terão que considerar as seguintes diretrizes tributárias:

  • No regime de lucro real, os ganhos com a venda desses ativos são tributados como receita operacional.
  • Em operações de mercado organizado, como bolsas ou plataformas financeiras, os ganhos serão considerados ganhos líquidos ou de capital, dependendo da operação.

Por outro lado, a lei prevê deduções fiscais importantes: os investimentos feitos para a geração e certificação dos CRVEs, como custos com auditoria, monitoramento e registro, poderão ser descontados do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Isso cria uma oportunidade para empresas que querem estruturar projetos sólidos de descarbonização: além de compensar suas emissões, esses projetos oferecem vantagens tributárias significativas.

O equilíbrio entre tributação e incentivo é, portanto, uma peça estratégica no desenho do SBCE. Empresas que enxergarem o carbono como um ativo financeiro terão vantagem competitiva, tanto na otimização fiscal quanto no acesso a financiamentos verdes.

Quem está sujeito ao SBCE e o que precisa fazer

A Lei 15.042/24 estabelece limites claros para definir quem está sob o radar do SBCE. As empresas foram segmentadas em dois patamares de responsabilidade, com exigências proporcionais ao volume de emissões:

  • Empresas que emitam acima de 10 mil tCO₂e/ano: devem apresentar relatórios anuais detalhados ao órgão gestor do SBCE, documentando emissões e remoções de gases de efeito estufa.
  • Empresas com emissões superiores a 25 mil tCO₂e/ano: enfrentam obrigações mais amplas e rigorosas, que incluem:
    • Plano de Monitoramento: um documento técnico obrigatório, que detalha como as emissões serão mensuradas, verificadas e reportadas. O plano deve ser submetido para aprovação prévia pelo órgão regulador.
    • Relato anual auditado: empresas precisam comprovar, com auditoria independente, suas emissões líquidas – ou seja, as emissões totais, descontadas eventuais remoções.
    • Conciliação periódica de obrigações: ao final de cada período de compromisso, as emissões registradas devem ser equilibradas com as CBEs adquiridas ou compensadas com CRVEs válidos.

Como funciona a conciliação periódica de obrigações

A conciliação é, em essência, a prestação de contas das empresas reguladas. Funciona como o ponto final de um ciclo anual, no qual cada empresa precisa demonstrar que suas emissões líquidas estão em conformidade com o volume de CBEs alocadas ou com os CRVEs adquiridos no mercado.

O processo é rigoroso: qualquer inconsistência entre o que foi emitido e o que foi compensado será passível de sanção, exigindo um controle técnico e contábil preciso. Além disso, a lei permite que o órgão gestor estabeleça percentuais máximos de CRVEs aceitos para conciliação, garantindo que a compensação não substitua integralmente a obrigação de reduzir emissões.

Infrações e penalidades: a linha entre conformidade e risco

A Lei 15.042/24 traz consigo um sistema de penalidades severas para garantir a integridade do SBCE. O descumprimento das obrigações – seja pelo não envio de relatórios, pela falha na conciliação ou pela apresentação de dados imprecisos – sujeita as empresas a um leque de sanções:

  • Advertências formais: aplicadas em infrações menores ou como primeira medida corretiva.
  • Multas financeiras: podem atingir até 3% do faturamento bruto do ano anterior, com valores corrigidos pela taxa Selic.
  • Sanções restritivas: incluem perda de incentivos fiscais, suspensão de atividades ou proibição de contratar com a administração pública por até três anos.

O critério de aplicação das penalidades leva em conta a gravidade da infração, o histórico de conformidade da empresa e a vantagem indevida obtida.

O mercado voluntário e a oferta de créditos de carbono

Um dos pontos mais interessantes da Lei 15.042/24 é a sua abordagem ao mercado voluntário. Diferente do mercado regulado, em que as CBEs e CRVEs são instrumentos obrigatórios, o mercado voluntário permite que empresas e organizações gerem créditos de carbono para compensação voluntária de emissões.

O texto da lei é claro ao estabelecer a convivência entre os dois mercados, mas impõe critérios rigorosos para a titularidade e comercialização dos créditos. Projetos realizados em terras indígenas, áreas tradicionais ou em unidades de conservação precisam respeitar direitos de propriedade e usufruto, garantindo que as receitas oriundas dos créditos sejam distribuídas de forma justa e transparente.

Além disso, os créditos gerados fora do SBCE não podem ser automaticamente convertidos em CRVEs válidos. Para ingressar no sistema regulado, esses créditos precisam seguir metodologias reconhecidas e passar pelo processo formal de registro no Registro Central do SBCE.

Essa dualidade cria um espaço interessante para empresas: o mercado voluntário oferece uma porta de entrada para projetos de compensação, ao mesmo tempo em que possibilita a migração para o sistema regulado.

A implementação do SBCE: o cronograma até a operação plena

A Lei 15.042/24 prevê uma implementação gradual do SBCE, dividida em cinco fases:

  1. Regulamentação inicial (12 meses, prorrogáveis): o período em que serão estabelecidas as regras específicas, incluindo o Plano Nacional de Alocação.
  2. Relatos de emissões (1 ano): empresas começam a reportar suas emissões, mas sem conciliação obrigatória.
  3. Implementação parcial (2 anos): envio obrigatório do Plano de Monitoramento e dos relatos anuais auditados.
  4. Mercado regulado em operação: distribuição inicial de CBEs gratuitas e início das transações de créditos.
  5. Implementação plena: o SBCE entra em operação total, com alocação onerosa de CBEs e conciliação obrigatória de emissões.

A gradualidade dá tempo para adaptação, mas exige acompanhamento rigoroso. Empresas que anteciparem suas estratégias terão vantagem quando o sistema atingir maturidade – e o carbono se consolidar como ativo financeiro indispensável.

O que a lei exige das empresas: uma visão prática

Para as empresas reguladas pela Lei 15.042/24, o cumprimento das exigências é um teste de precisão, organização e transparência. Não há espaço para improvisos. Cada tonelada de carbono emitida precisa ser medida, comprovada e equilibrada de acordo com as regras do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

A responsabilidade se organiza em três etapas que precisam conversar entre si: quantificação e relato das emissões, a elaboração de um plano de monitoramento e a conciliação periódica das emissões com os créditos disponíveis.

1. Quantificação e relato anual: a base do controle

Todas as empresas que ultrapassam o patamar de 10 mil toneladas de CO₂ equivalente por ano têm a obrigação de enviar ao órgão gestor do SBCE um relatório anual detalhando suas emissões. E a palavra-chave aqui é rigor. Estimativas imprecisas ou relatórios superficiais não são aceitos.

Esse relatório precisa seguir metodologias técnicas reconhecidas, apresentar dados auditados e cobrir, com clareza:

  • As emissões diretas, calculadas em cada ponto da operação que libera gases de efeito estufa.
  • As remoções de carbono, quando aplicáveis, para compensar emissões líquidas no balanço final.

Para grandes emissores – aqueles que superam 25 mil tCO₂e por ano – o desafio é ainda maior. Além do relato, essas empresas precisam garantir que os dados registrados estarão alinhados com os limites impostos pelo sistema.

2. O Plano de Monitoramento: sem ele, nada funciona

O Plano de Monitoramento de Emissões é o documento técnico que sustenta a credibilidade de todo o processo. Ele deve ser elaborado antes do relato anual e aprovado pelo órgão gestor do SBCE. Sua função? Detalhar, com exatidão, como as emissões serão medidas e verificadas.

Esse plano é um compromisso técnico que responde a três perguntas essenciais:

  • Quais são as fontes emissoras? Cada ponto de emissão precisa ser identificado e monitorado.
  • Como as emissões serão medidas? A lei exige o uso de metodologias consolidadas, reconhecidas em nível internacional.
  • Como os dados serão auditados? A verificação precisa ser conduzida por entidades independentes para garantir a integridade das informações.

Empresas que tentarem cortar caminhos, ignorando o rigor técnico exigido, correm o risco de ter seus dados rejeitados, ficando expostas a penalidades severas.

3. A conciliação periódica

Ao final de cada período de compromisso, as empresas precisam provar que suas emissões líquidas – o total emitido, descontadas eventuais remoções – estão alinhadas ao volume de Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) que possuem.

Funciona assim:

  • Se as emissões estiverem dentro do limite de CBEs alocadas, a empresa cumpre sua obrigação.
  • Se houver excedente, ele deve ser compensado com a aquisição de CRVEs – os créditos gerados por projetos certificados de redução ou remoção de carbono.

A lei não deixa brechas: a compensação via CRVEs não substitui a responsabilidade pela redução real das emissões. Empresas que insistirem em depender exclusivamente de créditos externos terão dificuldades em manter suas operações de forma sustentável a longo prazo.

Metodologias e o peso da precisão: confiança é tudo

Nenhum dado reportado ao SBCE terá valor sem credibilidade técnica. A lei exige que as medições sejam feitas com base em metodologias internacionais de mensuração, relato e verificação (MRV). Isso significa:

Rocha Cerqueira
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  • Precisão na coleta de dados.
  • Padronização das medições em todas as fontes emissoras.
  • Auditoria externa que ateste a consistência e confiabilidade das informações.

Para as empresas, essa exigência é um divisor de águas. A capacidade de mensurar emissões com rigor será o que diferenciará empresas preparadas de empresas que acumulam riscos e penalidades.

Onde tudo é rastreado

Por fim, o Registro Central do SBCE é o mecanismo que organiza e valida todas as informações. Ele é o “cartório oficial” das emissões, cotas e créditos.

Nele, tudo será registrado:

  • Os dados auditados das emissões reportadas.
  • A emissão, transferência e cancelamento das CBEs.
  • O registro e a validação dos CRVEs.

A rastreabilidade oferecida pelo Registro Central resolve um problema recorrente em mercados de carbono mal estruturados: a dupla contagem e a falta de transparência. Para as empresas, ele garante segurança jurídica e confiança nas transações.

Rigor e oportunidade: as empresas não têm escolha

O que a Lei 15.042/24 exige é rigor técnico e comprometimento com a transparência. O relato anual, o plano de monitoramento e a conciliação periódica não são burocracia: são ferramentas de governança ambiental que determinarão a capacidade de cada empresa de operar dentro do novo mercado regulado.

Para as empresas atentas, há uma oportunidade real de se posicionar estrategicamente, construir credibilidade e transformar o carbono em um diferencial competitivo. A escolha entre correr atrás ou liderar o movimento é uma decisão que precisa ser tomada agora.

Desafios e brechas na implementação do SBCE

Por mais que a Lei 15.042/24 represente um avanço inegável, sua implementação traz desafios que podem comprometer o funcionamento eficiente do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Não se trata de desconfiança, mas de um reconhecimento pragmático: entre a teoria e a prática, há lacunas que precisam ser preenchidas com governança sólida, previsibilidade e ação estratégica.

Dependência do Plano Nacional de Alocação

A implementação do SBCE depende de um instrumento ainda pendente: o Plano Nacional de Alocação. É ele que definirá os limites setoriais de emissões e o volume de Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs) distribuídas entre os operadores. Sem ele, as empresas estão operando no escuro, incapazes de calcular suas metas de curto e longo prazo.

Esse vácuo regulatório cria insegurança. Setores que exigem planejamento robusto, como indústria pesada e energia, não podem esperar pela regulamentação para agir. A incerteza sobre como as CBEs serão distribuídas – de forma gratuita ou onerosa – coloca um obstáculo à tomada de decisão, atrasando investimentos em descarbonização e eficiência.

O risco é evidente: se o Plano Nacional de Alocação demorar, ele pode minar a confiança inicial no SBCE, prejudicando sua credibilidade antes mesmo de o mercado amadurecer.

A transição gradual

A decisão de implementar o SBCE em fases foi acertada do ponto de vista técnico, mas o cronograma prolongado pode se tornar um paradoxo. Embora o gradualismo ofereça tempo para adaptação, ele também abre espaço para o adiamento de ações concretas.

Empresas menos preparadas podem enxergar nos prazos extensos – especialmente os 12 meses iniciais prorrogáveis – uma desculpa para postergar investimentos. O problema é que a transição do SBCE é um teste de competitividade em um mercado global que já precifica o carbono.

Quem aguardar até a implementação plena estará apenas reagindo ao cenário, enquanto aqueles que agirem desde já terão uma posição de vantagem quando as exigências entrarem em vigor.

Certificação de CRVEs

Os Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs) são a válvula de compensação do SBCE, mas sua eficiência depende de uma única palavra: confiança. Para que funcionem, os CRVEs precisam refletir reduções reais e verificáveis de emissões. Se o processo de certificação falhar, o mercado pode ser inundado por créditos de qualidade duvidosa, comprometendo o propósito do sistema.

Essa não é uma preocupação teórica. Mercados internacionais já enfrentaram problemas com duplicidade de registros e créditos gerados por projetos pouco confiáveis. O Brasil, ao estruturar o SBCE, precisa evitar esses erros desde o início. Sem fiscalização rigorosa e metodologias robustas de certificação, o CRVE se torna apenas um número sem lastro, desvalorizando todo o sistema.

Além disso, o caráter financeiro dos créditos pode atrair a especulação descontrolada. Empresas que enxergarem os CRVEs como ativos de curto prazo, sem compromisso com a mitigação de emissões, contribuirão para uma volatilidade que afasta investimentos e enfraquece a confiança no mercado.

A fiscalização

Toda regulamentação se apoia na fiscalização eficiente. No SBCE, o órgão gestor terá a responsabilidade de aprovar planos, auditar relatórios e garantir que emissões e créditos estejam em equilíbrio.

Mas a questão é: terá capacidade técnica, institucional e operacional para cumprir esse papel? A experiência com políticas ambientais no Brasil mostra que a fiscalização frequentemente é o ponto frágil. Recursos limitados, processos lentos e dificuldades na aplicação de penalidades podem criar um ambiente de complacência.

Um equilíbrio delicado

Os desafios da implementação do SBCE não são exclusivamente técnicos, mas estruturais. A dependência do Plano Nacional de Alocação, os prazos extensos da transição, os riscos na certificação de créditos e as incertezas sobre a fiscalização criam um cenário onde o sucesso não é garantido.

Porém, essas brechas não devem ser vistas como falhas irreparáveis, e sim como um alerta. Empresas que esperarem pelo amadurecimento do sistema correm o risco de ficar para trás. As que compreenderem a importância do SBCE desde agora terão a chance de liderar a transição, consolidando um diferencial competitivo em um mercado que, cada vez mais, precifica a responsabilidade ambiental.

Oportunidades e impactos setoriais

A chegada do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) pela Lei 15.042/24 não afeta todos os setores da mesma forma. Enquanto algumas indústrias enfrentam uma pressão imediata para reduzir emissões, outras terão a oportunidade de monetizar projetos ambientais e liderar a transição para uma economia de baixo carbono.

Indústria pesada e transportes: os mais pressionados

Os setores de indústria pesada – como siderurgia, cimento e química – e o transporte estão entre os mais impactados pela regulamentação. A razão é óbvia: são atividades intensivas em emissões de gases de efeito estufa (GEE) e, em muitos casos, dependem de processos difíceis e custosos de descarbonizar.

Essas empresas terão que agir em duas frentes simultaneamente:

  1. Reduzir emissões reais investindo em tecnologias de eficiência energética, captura de carbono e modernização de processos.
  2. Equilibrar o saldo de carbono através da compra de CBEs ou compensação com CRVEs, o que pode gerar custos adicionais relevantes no curto prazo.

No transporte, os desafios são similares. Com o volume significativo de emissões geradas por combustíveis fósseis, a transição para frotas elétricas ou híbridas, o uso de biocombustíveis e a otimização logística serão passos essenciais – mas exigirão planejamento, tempo e investimento.

A pressão, portanto, é regulatória e competitiva: empresas que demorarem a se adaptar perderão espaço em mercados cada vez mais exigentes quanto à origem das emissões associadas aos seus produtos.

Energia e agronegócio: o potencial para gerar créditos

Em contraste, setores como energia e agronegócio encontram no SBCE um terreno fértil para inovar e capturar valor.

No setor energético, a expansão de fontes renováveis – como solar, eólica e biomassa – abre um caminho promissor para a geração de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs). Projetos de transição energética, eficiência operacional e armazenamento de energia terão impacto direto na redução de emissões, permitindo que empresas do setor gerem créditos validados e comercializáveis no mercado regulado.

Já o agronegócio, embora excluído do SBCE em sua produção primária, tem um papel estratégico na geração de créditos. Iniciativas como reflorestamento de áreas degradadas, captura de metano em resíduos orgânicos e a implementação de práticas agrícolas regenerativas são caminhos viáveis e escaláveis para gerar CRVEs. Essas iniciativas, além de compensar emissões, criam um ativo financeiro com potencial de valorização significativa no mercado.

Para esses setores, o mercado regulado de carbono representa mais do que uma exigência: é uma chance de liderar o movimento de descarbonização e colher resultados econômicos em um horizonte de curto e médio prazo.

O mercado de carbono como ativo estratégico

Tratar o carbono como um ativo financeiro não é novidade no cenário global, mas a regulamentação trazida pela Lei 15.042/24 insere o Brasil nessa dinâmica com força. As empresas que souberem enxergar o potencial estratégico do mercado de carbono terão em mãos ferramentas poderosas para criar novas fontes de receita, atrair investimentos e se posicionar de forma competitiva.

Monetização de projetos ambientais

Projetos ambientais que comprovem a redução ou remoção de emissões são a espinha dorsal dos CRVEs. A lei abriu um mercado estruturado para que iniciativas como:

  • Reflorestamento de áreas degradadas, que sequestram carbono atmosférico.
  • Uso de bioenergia e outros processos energéticos que substituam combustíveis fósseis.
  • Captura de metano em aterros sanitários e agroindústrias, transformando gases poluentes em ativos financeiros.

Esses projetos, quando validados, geram CRVEs que podem ser negociados dentro do SBCE ou em mercados voluntários. Além de trazer retorno econômico direto, a monetização dos créditos pode financiar a expansão de práticas sustentáveis, criando um ciclo virtuoso de inovação e crescimento.

Competitividade em mercados internacionais

No cenário global, a regulamentação ambiental é cada vez mais um critério decisivo para negócios e comércio. O exemplo mais evidente é o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) da União Europeia, que penaliza produtos com alta pegada de carbono.

Empresas brasileiras que se adaptarem rapidamente ao SBCE estarão um passo à frente:

  • Terão produtos mais competitivos em mercados externos ao cumprir exigências climáticas rigorosas.
  • Evitarão barreiras comerciais e custos adicionais relacionados a políticas de taxação de carbono.
  • Construirão uma reputação de responsabilidade climática, cada vez mais valorizada por investidores e consumidores.

O mercado de carbono, portanto, é um instrumento de diferenciação no mercado internacional – uma vantagem que poucas empresas podem se dar ao luxo de ignorar.

Financiamentos verdes: o crédito que impulsiona a transição

A regulamentação do SBCE também abre portas para um fluxo crescente de financiamentos verdes. Bancos, fundos de investimento e organismos multilaterais estão priorizando projetos alinhados com a transição climática, e empresas que operam dentro do sistema regulado terão acesso facilitado a essas linhas de crédito.

Projetos voltados para a geração de CRVEs, eficiência energética, eletrificação de frotas e outras iniciativas de mitigação de carbono podem atrair recursos com condições diferenciadas, como juros mais baixos e prazos de pagamento alongados.

Além disso, empresas com uma agenda climática consolidada são vistas como menos expostas a riscos regulatórios e operacionais, o que melhora suas condições de captação no mercado de capitais. Investidores, claro, estão observando o lucro financeiro, mas também estão de olho no impacto ambiental e social das operações.

Para cada desafio imposto pela Lei 15.042/24, há uma oportunidade proporcional. Setores mais pressionados terão que se reinventar, mas também terão ganhos competitivos. Empresas com potencial para gerar CRVEs podem monetizar práticas sustentáveis e liderar o mercado. E aquelas que entenderem o carbono como um ativo financeiro se protegerão de riscos e podem atrair investimentos que impulsionarão seu crescimento.

O mercado de carbono regulado não é um obstáculo. Ele é um convite – para inovação, para diferenciação e para uma nova visão sobre o valor do carbono.

Novo ciclo para o setor produtivo

A Lei 15.042/24 não pode ser vista como mais um movimento regulatório, tampouco como uma simples exigência ambiental. O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) é uma estrutura que impõe limites claros, mas também abre possibilidades inéditas para o setor produtivo. Ela desafia as empresas a agirem de forma pragmática, com uma visão estratégica sobre suas emissões e suas operações.

A transição para uma economia de baixo carbono deixou de ser uma opção voluntária: ela é um movimento inevitável, impulsionado pela regulamentação nacional e certamente, pelas exigências de um mercado global cada vez mais atento à responsabilidade climática.

Tratar o SBCE como um entrave é um erro estratégico. Ele pode ser, na verdade, a chave para a competitividade. Empresas que compreenderem o potencial desse mercado – monetizando projetos ambientais, inovando em processos de descarbonização e se posicionando à frente de barreiras internacionais – sairão fortalecidas. Enquanto algumas enxergam um problema, outras terão a chance de liderar a transformação, consolidando novos modelos de negócio e acessando oportunidades de investimento que favorecem quem está preparado.

A agenda climática não é mais um futuro distante. Ela está aqui, agora, e exige um posicionamento inteligente. A Lei 15.042/24 oferece o mapa; cabe às empresas decidirem como navegarão neste novo ciclo para o mercado de carbono que já começou.

Se este conteúdo fez sentido para você, vale a pena ampliar a reflexão com a leitura de Gestão de riscos climáticos na estratégia empresarial. Compartilhe com sua rede e fortaleça o diálogo sobre como as empresas podem alinhar suas operações a um futuro de baixo carbono

Adriana Rocha de Cerqueira

Gestora do Setor de Inteligência de dados. Atuação e expertise centradas em valer das competências digitais e metodologias ágeis para proporcionar aos profissionais e às organizações a melhor experiência com o acesso à informação jurídica.

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