A fiscalização da jornada de trabalho de motoristas profissionais é um tema de relevância para todas as empresas que, direta ou indiretamente, realizam ou contratam o transporte de cargas ou passageiros, pois envolve questões de segurança, saúde, produtividade e legalidade.
A Lei 13.103/2015, conhecida como Lei do Motorista, é a normativa vigente que estabelece as diretrizes para a profissão de motorista no Brasil. Ela recebeu alterações em decorrência de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Neste artigo, vamos explicar o que a lei determina, como ela se compara com a legislação anterior, qual foi o impacto da decisão do STF, quais são os mecanismos de fiscalização, quais são os benefícios e desafios da sua implementação, e qual é a responsabilidade das empresas de transporte na sua correta aplicação.
A Lei 13.103/2015: o que diz e como se compara à legislação anterior
Para compreender esse tema, é fundamental entender lei sobre a fiscalização da jornada de trabalho de motoristas e seus desdobramentos. A Lei 13.103/2015, também conhecida como Lei do Motorista, foi sancionada em 2 de março de 2015, com o objetivo de regulamentar o exercício da profissão de motorista, tanto de transporte de cargas quanto de passageiros. A lei estabelece os direitos e deveres dos motoristas, bem como as normas para a jornada de trabalho, o tempo de direção, o descanso, as condições de segurança, a remuneração, entre outros aspectos.
Esta lei trouxe algumas alterações importantes em relação à antiga, como:
- Aumentou o limite diário de horas de trabalho de 8 para 12 horas, sendo 8 horas efetivas de direção e 4 horas extras, desde que haja acordo coletivo;
- Reduziu o intervalo de descanso intrajornada de 30 minutos a cada 4 horas para 30 minutos a cada 5 horas e meia de direção;
- Ampliou o intervalo de descanso interjornada de 9 para 11 horas, sendo que 8 horas devem ser ininterruptas e as demais podem ser fracionadas;
- Estabeleceu o descanso semanal de 35 horas, sendo que 24 horas devem ser consecutivas e as demais podem ser usufruídas no mesmo dia ou em outro dia da semana;
- Criou o descanso obrigatório de 30 minutos a cada 6 horas na condução de veículos de transporte de passageiros;
- Permitiu o uso do tempo de espera, que é o período em que o motorista fica à disposição do empregador, mas sem trabalhar efetivamente, para fins de descanso, desde que o local ofereça condições adequadas;
- Excluiu o tempo de espera da jornada de trabalho e da remuneração, exceto nos casos de transporte de cargas indivisíveis e excedentes em peso ou dimensões;
- Definiu que o tempo de direção é o período em que o motorista está efetivamente ao volante, não se confundindo com o tempo de trabalho, que é o período em que o motorista está à disposição do empregador, realizando outras atividades, como carga e descarga, fiscalização, manutenção etc.
Como era antes da Lei 13.103/2015?
Antes da Lei 13.103/2015, a profissão de motorista era regulada pela Lei 12.619/2012, que foi a primeira lei específica para a categoria, após anos de reivindicações e mobilizações.
A Lei 12.619/2012 trouxe avanços importantes para os motoristas, como o reconhecimento da profissão, a definição da jornada de trabalho, o tempo de direção, o descanso, a remuneração, a qualificação, a segurança, a saúde, o controle, a fiscalização e as infrações.
No entanto, a lei também gerou muitas controvérsias e insatisfações, tanto por parte dos motoristas, quanto por parte dos empregadores e dos contratantes de transporte. Alguns dos principais pontos de divergência eram:
- A jornada de trabalho de 8 horas diárias, que era considerada muito rígida e inflexível, sem levar em conta as especificidades e as variações do transporte rodoviário, como o tipo de carga, o percurso, o trânsito, as condições climáticas etc.
- O tempo de direção de 4 horas ininterruptas, que era considerado muito curto e impraticável, pois obrigava os motoristas a pararem em locais inadequados ou inseguros, ou a interromperem o fluxo de tráfego, causando congestionamentos e acidentes.
- O descanso diário de 11 horas a cada 24 horas, que era considerado muito longo e desnecessário, pois impedia os motoristas de aproveitarem as oportunidades de trabalho, de cumprirem os prazos de entrega, e de retornarem mais rápido para suas casas ou bases.
- O descanso semanal de 35 horas, que era considerado muito desproporcional e injusto, pois equivalia a quase dois dias de folga, enquanto outras categorias profissionais tinham apenas um dia de descanso semanal.
- A remuneração dos motoristas, que era considerada muito baixa e insuficiente, pois não contemplava todas as despesas e os riscos envolvidos na atividade de transporte, como alimentação, hospedagem, pedágio, combustível, manutenção, seguro etc.
- A qualificação dos motoristas, que era considerada muito deficiente e inadequada, pois não oferecia cursos de qualidade e acessíveis, nem exigia uma formação mínima e padronizada para o exercício da profissão.
- A segurança e a saúde dos motoristas, que eram consideradas muito precárias e negligenciadas, pois não havia uma fiscalização efetiva e uma prevenção adequada dos acidentes, das doenças, do uso de drogas, da violência etc.
- O controle e a fiscalização da jornada de trabalho dos motoristas, que eram considerados muito falhos e ineficientes, pois não havia um sistema unificado e confiável de registro e verificação das horas trabalhadas, nem uma fiscalização integrada e coordenada entre os órgãos competentes.
- As infrações à lei, que eram consideradas muito severas e desproporcionais, pois previam multas altíssimas, suspensão ou cassação da carteira de habilitação, ou até mesmo a perda da autorização para o exercício da atividade, sem levar em conta as circunstâncias e as causas das infrações.
A decisão do STF em 2023: o que mudou
Em 2023, o STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, que questionava alguns dispositivos da Lei 13.103/2015. A ação foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), que alegava que a lei violava os direitos dos motoristas à saúde, à segurança, à dignidade e à remuneração justa.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais 11 pontos da Lei dos Caminhoneiros (Lei 13.103/2015), referentes à jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal. Na mesma decisão, outros pontos da lei foram validados, como a exigência de exame toxicológico de motoristas profissionais. As principais mudanças provocadas pela decisão foram:
Período mínimo de descanso
Quanto ao fracionamento dos períodos de descanso, foi determinado que a redução e o fracionamento do descanso, previamente permitidos, não são mais aceitáveis, considerando-se que tais práticas comprometem tanto a recuperação física quanto a segurança nas estradas, ao impactar negativamente a atenção e a capacidade de reação dos motoristas durante a condução.
Tempo de espera
Em relação ao tempo de espera, a nova interpretação exclui a possibilidade de não considerar esse tempo como parte da jornada de trabalho ou do cálculo para horas extras. Isso significa que o período em que o motorista aguarda pela carga ou descarga do veículo agora deve ser contabilizado como trabalho efetivo, refletindo um entendimento de que o motorista permanece à disposição do empregador.
Descanso em movimento
Sobre o descanso em movimento, a ideia de que motoristas possam descansar enquanto estão em revezamento e o veículo está em movimento foi invalidada. Isso se baseia na compreensão de que as condições dentro de um veículo em movimento, especialmente considerando a qualidade das estradas, não são propícias para um descanso adequado e, portanto, não contribuem para a segurança e o bem-estar dos motoristas.
Os mecanismos de fiscalização da jornada de trabalho de motorista
Agora, depois de compreender o histórico de mudanças na legislação e os pontos fundamentais que devem ser observados, vamos avançar para os mecanismos de fiscalização.
A fiscalização da jornada de trabalho de motoristas é uma tarefa complexa que envolve vários órgãos e tecnologias. Vamos explorar mais detalhadamente cada um desses elementos:
Órgãos de Fiscalização
Os principais órgãos responsáveis pela fiscalização são:
- Polícia Rodoviária Federal (PRF): A PRF realiza fiscalizações nas rodovias federais, verificando se os motoristas estão cumprindo as normas de trânsito, incluindo as relacionadas à jornada de trabalho.
- Ministério do Trabalho: Este órgão é responsável por garantir que os direitos trabalhistas dos motoristas sejam respeitados, incluindo o cumprimento das normas sobre a jornada de trabalho.
- Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT): A ANTT regula o transporte terrestre de cargas e passageiros e é responsável por fiscalizar o cumprimento das normas relacionadas à jornada de trabalho dos motoristas.
Registros da jornada de trabalho
Para comprovar o cumprimento das normas, os motoristas e os empregadores devem manter registros atualizados e fidedignos da jornada de trabalho. Esses registros podem ser feitos de duas maneiras:
- Diário de bordo: Este é um documento escrito, em que o motorista anota detalhes como o horário de início e término da jornada, o tempo de direção, as paradas, os intervalos, o local de origem e destino, a quilometragem, entre outros. O diário de bordo deve ser assinado pelo motorista e pelo empregador e deve ser apresentado sempre que solicitado pela fiscalização.
- Dispositivos eletrônicos: Estes são equipamentos instalados nos veículos que registram automaticamente informações sobre a jornada de trabalho. Incluem o tacógrafo, o cronotacógrafo e o registrador eletrônico de velocidade e tempo. Esses dispositivos devem ser homologados pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e devem estar em perfeito funcionamento. Os dados registrados devem ser armazenados e disponibilizados para a fiscalização.
Responsabilidades
A manutenção dos registros é uma responsabilidade compartilhada entre o motorista e o empregador:
- Motorista: O motorista deve preencher corretamente o diário de bordo e não adulterar ou danificar os dispositivos eletrônicos. Além disso, o motorista deve respeitar os limites de tempo de direção e descanso estabelecidos pela legislação.
- Empregador: O empregador deve fornecer o diário de bordo e os dispositivos eletrônicos ao motorista, bem como fiscalizar e arquivar os registros. Além disso, o empregador deve garantir que o motorista tenha condições adequadas para cumprir as normas sobre a jornada de trabalho.
Penalidades
O descumprimento das obrigações relacionadas à jornada de trabalho dos motoristas pode acarretar uma série de penalidades:
- Multas e infrações: Tanto o motorista quanto o empregador podem ser multados por descumprir as normas sobre a jornada de trabalho. Além disso, podem ser aplicadas infrações de trânsito, que podem resultar em pontos na carteira de habilitação do motorista.
- Penalidades administrativas: Os órgãos de fiscalização podem aplicar penalidades administrativas, como a suspensão do direito de operar veículos de transporte.
- Penalidades trabalhistas: Se o empregador não respeitar os direitos trabalhistas do motorista, pode ser alvo de ações na Justiça do Trabalho e ser condenado a pagar indenizações.
- Penalidades criminais: Em casos mais graves, o descumprimento das normas sobre a jornada de trabalho dos motoristas pode resultar em processos criminais.
Desafios e oportunidades na vanguarda da gestão de transportes
A implementação da Lei 13.103/2015 e a adequação à Fiscalização da jornada de trabalho de motoristas representam não apenas desafios, mas também oportunidades para as empresas de transporte se posicionarem na vanguarda da gestão moderna. Alguns desses desafios e oportunidades incluem:
- Capacitação e conscientização: Capacitar os motoristas e os gestores sobre as normas e os procedimentos da lei, bem como sobre os princípios ESG, é fundamental para promover uma cultura de conformidade e responsabilidade social.
- Monitoramento e conformidade: O uso de checklists pode ser uma ferramenta eficaz para monitorar a jornada de trabalho dos motoristas e avaliar a conformidade com todas as normativas aplicáveis. Isso contribui para a transparência e a confiabilidade das operações.
- Planejamento e eficiência: Planejar as rotas, as cargas e as escalas de trabalho de forma eficiente e flexível é crucial para otimizar os recursos e reduzir os impactos ambientais.
- Negociação e parceria: Negociar com os clientes e os fornecedores os prazos e as condições de entrega pode fortalecer as relações comerciais e promover práticas justas e sustentáveis.
- Inovação e tecnologia: Investir em tecnologia e inovação pode otimizar os processos, reduzir os custos e melhorar a qualidade dos serviços. Além disso, pode abrir novas possibilidades para a gestão de riscos e a tomada de decisões baseada em dados.
Ao enfrentar os desafios da implementação da Lei 13.103/2015 e da adequação à fiscalização da jornada de trabalho de motoristas fiscalização, as empresas de transporte têm a oportunidade de ir além do simples cumprimento das exigências legais. Elas podem alinhar suas operações com os princípios ESG (Ambiental, Social e Governança), que são cada vez mais valorizados por investidores, clientes e a sociedade em geral.
- Ambiental: Ao planejar rotas e cargas de forma eficiente, as empresas podem reduzir o consumo de combustível e as emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para a proteção do meio ambiente. Além disso, o investimento em tecnologias limpas e renováveis pode promover a sustentabilidade e a resiliência das operações.
- Social: A valorização da profissão de motorista, a melhoria das condições de trabalho e a promoção da saúde e segurança dos trabalhadores estão alinhadas com os princípios sociais do ESG. Essas práticas podem melhorar a satisfação e a retenção dos funcionários, bem como a imagem e a reputação da empresa.
- Governança: A transparência na gestão da jornada de trabalho dos motoristas, a conformidade com as normas legais e a responsabilidade social são aspectos importantes da governança corporativa. O uso de checklists e outras ferramentas de monitoramento pode fortalecer a governança e a confiabilidade das operações.
Ao adotar uma abordagem proativa e integrada, as empresas de transporte podem transformar os desafios da fiscalização em oportunidades de inovação e crescimento. Isso pode trazer benefícios como a melhoria da reputação, a atração de investimentos e a criação de valor a longo prazo. Além disso, pode contribuir para a construção de um setor de transporte mais sustentável, justo e resiliente.
A fiscalização da jornada de trabalho do motorista é uma realidade que exige atenção e cuidado das empresas que contratam transporte de cargas ou passageiros, ou que atuam como transportadoras. A Lei 13.103/2015 é uma importante ferramenta para garantir a segurança e a saúde dos motoristas, mas também impõe obrigações e responsabilidades aos empregadores.
Por isso, é fundamental que as empresas se informem, se atualizem e se adaptem às normas estabelecidas, evitando problemas legais e buscando soluções inteligentes e sustentáveis.
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