O mercado de gás natural liquefeito (GNL) no Brasil tem desempenhado um papel crescente na matriz energética nacional, impulsionado pela necessidade de diversificação das fontes de energia e pela expansão do acesso a áreas sem infraestrutura de dutos. As regulamentações anteriores, embora funcionais à época de sua implementação, começaram a mostrar limitações frente às evoluções tecnológicas e às novas dinâmicas de mercado. Neste contexto, a Resolução ANP 971/2024 surge como uma reformulação regulatória significativa, destinada a facilitar e agilizar a distribuição de GNL em pequena escala (small scale).
Historicamente, a regulamentação do GNL no Brasil era fragmentada e complexa, exigindo múltiplas autorizações para atividades de construção e operação de centrais de distribuição. A Portaria ANP 118/2000, agora revogada, ilustrava essa abordagem burocrática que potencialmente retardava iniciativas de infraestrutura essenciais. Após mais de 20 anos em vigor, essa portaria demonstrou ser inadequada frente às evoluções do mercado e aos avanços tecnológicos.
Em contraste, a Resolução ANP 971/2024 simplifica esses processos ao centralizar as autorizações de operação, eliminando a necessidade de autorizações separadas para construção. Este ajuste normativo é projetado para acelerar o desenvolvimento de projetos de GNL em pequena escala, facilitando assim uma maior capilaridade do gás natural em regiões carentes de infraestrutura tradicional de dutos.
Além disso, a recém-introduzida Resolução ANP nº 973/2024, conforme veremos adiante, estende essas reformas ao Gás Natural Comprimido (GNC), estabelecendo critérios e procedimentos específicos para o acondicionamento e movimentação de GNC por modais não dutoviários. Esta complementação legislativa reforça a abordagem integrada do regulador na modernização das operações de gás, tanto liquefeito quanto comprimido, e destaca o compromisso contínuo com a adaptação do setor energético às necessidades tecnológicas e ambientais contemporâneas.
Objetivos e mudanças principais na regulação do GNL
A Resolução ANP nº 971/2024 foi criada para alinhar as normas com o atual marco legal para a indústria do gás natural, a Lei nº 14.134/2021 (Nova Lei do Gás). A nova norma oferece alternativas para o desenvolvimento de projetos de GNL de pequena escala, aumentando a capilaridade do gás natural em regiões desprovidas de infraestrutura de dutos.
A resolução contempla inovações no acondicionamento e transporte, como o uso de estações compactas de liquefação e ISO contêineres, promovendo a integração intermodal. Entre os pontos mais relevantes, destacam-se:
- Eliminação da necessidade de autorizações separadas para construção e operação de centrais de distribuição de GNL, simplificando o processo regulatório.
- Centralização das autorizações de operação e suas implicações para novos projetos de GNL em pequena escala.
- Inclusão de disposições específicas para o tratamento do biometano, equiparando-o ao gás natural.
- Regulação das Atividades de Acondicionamento e Movimentação de GNL: A resolução estabelece normas detalhadas para o acondicionamento e movimentação de GNL a granel por modais alternativos ao dutoviário, como rodoviário, ferroviário e aquaviário. Essa flexibilização é essencial para aumentar a capilaridade do gás natural em regiões sem infraestrutura de dutos.
- Inovações Tecnológicas: A resolução incorpora o uso de tecnologias avançadas, como ISO contêineres e estações compactas de liquefação, que permitem maior flexibilidade e eficiência na logística do GNL. Essas inovações são fundamentais para reduzir custos e aumentar a competitividade do gás natural no mercado energético.
- Tratamento do Biometano: A resolução também aborda a equivalência do biometano ao gás natural, incentivando o uso de fontes renováveis e sustentáveis. O biometano, produzido a partir de resíduos orgânicos, representa uma alternativa limpa e eficiente, alinhada com as metas de sustentabilidade do país.
Expansão regulatória: Resolução ANP 973/2024
Em complemento às atualizações regulatórias do mercado de gás natural liquefeito (GNL) trazidas pela Resolução ANP 971/2024, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) introduziu a Resolução ANP nº 973/2024. Esta nova medida legislativa visa regular especificamente as atividades relacionadas ao Gás Natural Comprimido (GNC), estendendo as diretrizes regulatórias para acondicionamento e movimentação do gás em modais não dutoviários — como o transporte rodoviário, ferroviário e aquaviário — e delineando um framework regulatório que exclui os serviços estaduais de gás canalizado e as instalações específicas de biometano.
A Resolução ANP nº 973/2024 estabelece diretrizes detalhadas para as operações de acondicionamento e movimentação de gás natural comprimido (GNC) a granel, utilizando modais alternativos ao dutoviário, como rodoviário, ferroviário e aquaviário. Essas operações requerem autorização prévia da ANP, o que inclui a instalação de sistemas adequados de acondicionamento, cumprimento de normas de segurança, e obtenção de licenças ambientais pertinentes. Vejamos alguns pontos fundamentais que a normativa aponta:
Exclusões e definições: A resolução exclui do seu escopo os serviços de gás natural canalizado, de competência estadual, e instalações de biometano autorizadas. A regulamentação detalha definições importantes, como o conceito de “acondicionamento de GNC”, que se refere ao confinamento de gás natural em recipientes para armazenamento e transporte. Além disso, estabelece que as instalações de acondicionamento e os veículos transportadores de GNC devem atender a normas técnicas específicas, como a ABNT NBR 12.236.
Requisitos para autorização: Empresas interessadas em operar instalações de acondicionamento de GNC devem apresentar uma série de documentos à ANP, incluindo licença de operação emitida pelo órgão ambiental competente, descrição detalhada das instalações, plano de resposta a emergências, e análise de riscos. A autorização é necessária para novas instalações, alteração de capacidade, transferência de titularidade, e reativação de instalações desativadas.
Movimentação e distribuição: A movimentação de GNC a granel deve ser realizada por agentes autorizados pela ANP, com processos que incluem a compressão, armazenagem e transporte do gás. Empresas que desejam distribuir GNC a granel devem cumprir requisitos rigorosos, incluindo a comprovação de propriedade de instalações de acondicionamento autorizadas e um plano detalhado de operações.
Inspeções regulares: Os agentes autorizados devem promover inspeções regulares, manter planos de capacitação de pessoal atualizados, e garantir a conformidade com as normas de segurança, saúde e meio ambiente. Além disso, devem registrar todas as atividades relacionadas ao transporte e distribuição de GNC e manter a documentação disponível para fiscalização.
Sanções e penalidades: A não conformidade com as disposições da resolução pode levar à revogação das autorizações, cassação em caso de infrações comprovadas, e outras sanções administrativas. A ANP monitora e fiscaliza o cumprimento das normas estabelecidas, garantindo a segurança e a regularidade das operações.
Implicações da Resolução ANP 971/2024 para distribuição de GNL a granel por modais alternativos
As empresas que desejarem movimentar GNL por rodovias precisarão obter autorização específica da ANP, apresentando documentos como comprovação de fonte supridora de GNL e licenciamento ambiental. Além disso, conforme a Resolução ANTT 5998/22, o transporte rodoviário de produtos perigosos, incluindo o GNL, deve aderir a regulamentações rigorosas que estabelecem padrões detalhados para a segurança durante o transporte. Isso envolve desde a especificação técnica dos veículos até procedimentos operacionais e de emergência, garantindo que o transporte de GNL atenda às exigências tanto de segurança quanto de eficiência ambiental.
As empresas deverão investir na capacitação de seus colaboradores e manter atualizados os planos de análise de risco e resposta a emergências. O transporte de GNL deve seguir a legislação específica para cargas perigosas, com a necessidade de comunicação prévia à ANP sobre qualquer alteração no meio de transporte. A ANP realizará inspeções e fiscalizações nas instalações, sendo necessário manter registros detalhados das inspeções e manutenções realizadas.
Esta abordagem aumenta a capilaridade do gás natural em regiões desprovidas de infraestrutura de dutos e inclui o tratamento do biometano de forma análoga ao gás natural, minimizando incertezas regulatórias. Entre os benefícios esperados, destaca-se o aumento da demanda por serviços especializados de transporte rodoviário de GNL, gerando novas oportunidades para o setor. Além de que a clareza regulatória pode contribuir significativamente para o desenvolvimento do setor de biometano no Brasil.
Desafios regulatórios e operacionais para acondicionamento e movimentação de GNL
No entanto, a implementação das novas Resoluções enfrenta desafios típicos de novas regulamentações. Frequentemente, essas situações geram incertezas, como no caso atual, em que há dúvidas específicas sobre a classificação entre terminais de GNL e instalações de acondicionamento. Além disso, questiona-se como as regras de desverticalização, estipuladas pela Nova Lei do Gás, se aplicam às atividades de distribuição de GNL a granel, incluindo o biometano. Essas incertezas destacam a necessidade de uma orientação clara e diretrizes detalhadas para garantir uma transição suave para todos os agentes do setor.
A adaptação às novas normas exige investimentos substanciais em infraestrutura e tecnologia, assim como uma gestão logística cuidadosa e detalhada. Existem preocupações regulatórias específicas quanto à distinção entre terminais de GNL e instalações de acondicionamento, uma distinção que pode gerar incertezas e áreas cinzentas operacionais. Adicionalmente, a resolução impõe normas técnicas e requisitos de segurança rigorosos, que devem ser seguidos meticulosamente para assegurar a integridade e segurança das operações de GNL, reforçando a necessidade de conformidade rigorosa por parte das entidades reguladas.
As Resoluções ANP 971/2024 e ANP 973/2024 configuram-se como uma tentativa de modernizar e otimizar a regulamentação do GNL no Brasil. Embora promova a eficiência e a inovação, sua efetividade a longo prazo dependerá da capacidade dos agentes do mercado de enfrentarem os desafios regulatórios e operacionais. O êxito destas regulamentações será avaliado por sua capacidade de facilitar projetos sustentáveis e economicamente viáveis, ampliando o acesso ao GNL em todo o país, ao mesmo tempo em que mantém altos padrões de segurança e conformidade ambiental.
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