Prazo do inventário é o termo que define o limite legal para iniciar o processo de partilha de bens após o falecimento de uma pessoa. Pode parecer um detalhe administrativo, mas esse prazo marca o ponto de inflexão entre uma transição patrimonial organizada e um cenário de entraves jurídicos, disputas familiares e prejuízos financeiros. Quando negligenciado, o tempo passa a atuar contra os próprios herdeiros.
O inventário, seja judicial ou extrajudicial, é o procedimento que permite formalizar a transferência do patrimônio do falecido aos seus sucessores legais. Sem ele, os bens continuam juridicamente indisponíveis, o que compromete qualquer iniciativa de venda, regularização ou administração do espólio. A legislação brasileira estabelece um prazo específico para o início desse processo, e o descumprimento acarreta mais do que multas: cria obstáculos reais para o uso e preservação do patrimônio herdado.
Prazo, multa, bloqueio, decisões recentes. Tudo isso atravessa a partilha de bens quando o inventário não é conduzido com atenção. A seguir, explico o que a lei exige, o que mudou com o STF e por que vale entender esses pontos antes que o tempo traga mais obstáculos do que solução.
Prazo do inventário segundo a legislação brasileira
O artigo 611 do Código de Processo Civil determina que o inventário deve ser instaurado no prazo de até 60 dias a contar da data do falecimento. Esse é o ponto de partida tanto para o inventário judicial quanto para o extrajudicial, feito em cartório quando há consenso entre os herdeiros e ausência de testamento.
A escolha entre uma modalidade ou outra dependerá de fatores específicos do caso, mas o que não muda é a contagem do tempo. E é aí que muitas famílias se perdem, seja por luto, desorganização ou desconhecimento, abrindo caminho para complicações tributárias sérias.
Modalidades de inventário e sua influência na contagem do prazo
Ao considerar o prazo do inventário, é preciso observar que o caminho processual escolhido, seja judicial ou extrajudicial, impacta diretamente a condução dos trabalhos, mas não modifica o marco legal dos 60 dias para sua abertura. O que muda é o grau de complexidade e o ritmo da tramitação.
O inventário extrajudicial, realizado em cartório com a presença de um advogado, costuma ser mais ágil e menos oneroso. Desde que todos os herdeiros sejam maiores, capazes e estejam plenamente de acordo com a partilha, esse formato permite concluir a sucessão com celeridade. Quando não há testamento e as dívidas são proporcionais ao valor dos bens, a finalização pode ocorrer de forma segura e eficiente.
Por outro lado, o inventário judicial é necessário quando há divergência entre herdeiros, existência de testamento ou presença de menores de idade ou pessoas com incapacidade civil. Mesmo que não haja litígio aberto, a simples presença de um testamento já obriga a tramitação judicial. Esse percurso segue ritos mais prolongados, com possibilidade de incidentes que tornam o processo mais demorado.
Apesar das diferenças procedimentais, ambas as formas exigem atenção ao prazo legal de 60 dias para início. Postergar essa definição, esperando uma conciliação informal ou uma negociação entre familiares sem registro formal, frequentemente resulta em penalidades tributárias, acúmulo de encargos e aumento do desgaste entre os envolvidos.
Consequências do atraso no cumprimento do prazo do inventário
Quando o prazo do inventário não é observado, a penalidade mais imediata recai sobre o ITCMD, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação. Cada estado adota critérios próprios para aplicação de multas e juros, mas a maioria segue uma lógica de aumento proporcional ao tempo de atraso. Em outros, a multa é fixa e já suficientemente pesada desde os primeiros dias.
A seguir, os parâmetros atualmente praticados em alguns estados:
São Paulo Multa de 10% para atrasos de até 180 dias Multa de 20% quando o prazo supera 180 dias (Base legal: Lei nº 10.705/2000) |
Minas Gerais Após 180 dias Multa de 0,15% ao dia até o 30º dia Multa de 9% entre o 31º e o 60º dia Multa de 12% a partir do 61º dia (Base legal: Lei nº 14.941/2003) |
Rio de Janeiro Isenção de multa quando o ITCMD é pago até o 90º dia Multa de 10% entre o 91º e o 180º dia Multa de 20% a partir do 181º dia (Base legal: Decreto nº 7.174/2015) |
Paraná Multa de 10% para atrasos até 60 dias Multa de 20% a partir do 61º dia (Base legal: Lei nº 18.573/2015) |
Rio Grande do Sul Multa de 10% até o 90º dia Multa de 20% acima desse prazo (Base legal: Lei nº 8.821/1989) |
Tocantins Multa única de 50% sobre o ITCMD para atrasos superiores a 60 dias Essa penalidade não varia conforme o tempo de atraso (Base legal: Lei nº 1.287/2001) |
Bahia Multa fixa de 5% a partir do 61º dia A penalidade permanece nesse percentual independentemente do tempo (Base legal: Lei nº 4.826/1989) |
Essas multas são calculadas sobre o valor do imposto devido, que por sua vez considera o valor venal dos bens herdados. Em muitos estados, a incidência de juros de mora também eleva os custos totais, em especial quando há demora na abertura do processo ou no pagamento do imposto. Além das penalidades financeiras, esse atraso costuma ser o início de uma cadeia de entraves que afeta diretamente a posse, a administração e a transmissão do patrimônio.
Embora o quadro atual das penalidades seja claro, vale atenção para propostas legislativas em curso, tanto em âmbito estadual quanto federal, que discutem alterações na estrutura do ITCMD. Algumas sugerem alíquotas progressivas por faixa de herança, outras buscam ajustes nos prazos e critérios de aplicação das multas. São debates em andamento que, por ora, não afetam a sistemática vigente, tampouco afastam a necessidade de observar as exigências atuais.
Ainda no campo das atualizações, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal trouxe repercussão relevante sobre o momento da quitação do ITCMD em partilhas consensuais. É isso que será abordado a seguir.
Expedição do formal de partilha sem quitação prévia do ITCMD: o que decidiu o STF
Uma das interpretações mais difundidas no cotidiano sucessório é a de que a homologação da partilha — especialmente nos casos de arrolamento sumário, modalidade cabível quando todos os herdeiros são capazes e concordam com a forma de partilha — exige, de forma obrigatória, a quitação do ITCMD como condição prévia para a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação. A jurisprudência recente, no entanto, impôs uma importante inflexão nesse entendimento.
No julgamento da ADI 5.894, o Supremo Tribunal Federal validou a regra prevista no art. 659, §2º do Código de Processo Civil, reconhecendo que não há inconstitucionalidade na homologação da partilha consensual sem comprovação imediata do pagamento do ITCMD. A Corte reforçou que, em casos de arrolamento sumário, o lançamento e a cobrança do imposto podem ser tratados posteriormente na esfera administrativa, sem que isso comprometa a regularidade da partilha ou inviabilize a continuidade do processo.
Esse entendimento harmoniza-se com a tese firmada no Tema 1074 do STJ, que já havia afirmado que a exigibilidade do ITCMD não constitui condição para a homologação da partilha consensual, desde que haja comprovação dos tributos vinculados aos bens e às rendas do espólio.
É fundamental destacar que a decisão do STF não representa isenção do imposto, nem relativiza a obrigação tributária. O que se reposiciona é o momento da exigibilidade formal, retirando o pagamento do ITCMD do centro das exigências processuais e transferindo essa etapa para um trâmite posterior, mais adequado à lógica fiscal.
A medida reforça a racionalidade processual: evita entraves artificiais, reduz a burocratização em partilhas consensuais e devolve à Administração Tributária a atribuição de cobrar, calcular e, se for o caso, contestar valores. Ao mesmo tempo, preserva a segurança jurídica e respeita os princípios constitucionais da celeridade, duração razoável do processo e efetividade da jurisdição.
Esse novo marco jurisprudencial reorienta práticas cartoriais e judiciais e desafia operadores do Direito a conduzirem o inventário com mais clareza sobre as etapas que envolvem exigências tributárias em tempo real. Para quem atua com partilhas, o alinhamento a esse entendimento evita retrabalho, pedidos indevidos e suspensões desnecessárias.
Pontos que merecem atenção
Ao tratar do prazo do inventário e das consequências de seu descumprimento, é comum que se sobreponham duas noções diferentes: o prazo para abertura do processo e o momento em que o ITCMD deve ser pago. Embora se relacionem, esses marcos têm impactos distintos, sobretudo à luz da jurisprudência mais recente.
A multa que recai sobre o ITCMD tem origem no atraso da abertura do inventário, não no atraso do pagamento em si. O que a legislação exige, de maneira objetiva, é que o inventário seja instaurado até 60 dias após o falecimento. Esse é o critério que define se haverá ou não penalidade.
Assim:
- Inventário aberto dentro do prazo legal: a multa não se aplica, mesmo que o imposto venha a ser pago posteriormente (quando admitido).
- Inventário aberto fora do prazo: a multa será aplicada sobre o valor do imposto, independentemente da data do pagamento.
Esse ponto merece destaque porque, ao contrário do que muitos imaginam, o fato de o imposto ainda não ter sido recolhido não gera multa por si só desde que o inventário tenha sido aberto dentro do prazo legal.
Procedimentos para pagamento do ITCMD: o que observar desde o início
A regularização do prazo do inventário envolve, de forma incontornável, a quitação do ITCMD, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação. Esse tributo estadual incide sobre a herança e deve ser pago antes da conclusão do processo de partilha, seja ele judicial ou extrajudicial. Cada estado define suas próprias regras, mas o fluxo básico de exigência e pagamento segue uma lógica comum.
O primeiro passo é preencher a declaração eletrônica do ITCMD junto à Secretaria da Fazenda do estado competente. Essa competência se determina conforme a localização dos bens ou o domicílio do falecido, a depender do tipo de patrimônio transmitido. O sistema solicita dados dos herdeiros, dos bens envolvidos, da avaliação patrimonial e da partilha definida.
Após a conclusão da declaração, o sistema emite uma guia de recolhimento — geralmente chamada de DARE, GARE ou DAE, conforme o estado. O pagamento da guia é obrigatório e, em muitas unidades da federação, representa requisito para dar seguimento ao procedimento cartorial ou judicial. Sem o comprovante, o processo fica paralisado.
Em São Paulo, a guia gerada é a GARE-ITCMD, emitida diretamente no sistema da Secretaria da Fazenda e Planejamento. Em Minas Gerais, a plataforma é o Sistcem, que gera a DAE com base na apuração automática do imposto. No Rio de Janeiro, o sistema é o Sefaz-RJ ITD, com preenchimento obrigatório de campos específicos para cada tipo de bem. Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e Tocantins também possuem ambientes próprios com exigências e prazos distintos. Além da multa por atraso, alguns estados aplicam correção monetária e juros desde o primeiro dia posterior ao vencimento da obrigação.
A quitação do ITCMD deve ser comprovada nos autos. A partilha só é homologada após a verificação do recolhimento do imposto devido. Essa etapa exige atenção especial, sobretudo em casos que envolvem bens localizados em diferentes estados, com recolhimentos múltiplos e regimes distintos de apuração.
A organização cuidadosa dessa fase evita penalidades, favorece a fluidez do processo e viabiliza a formalização jurídica da transferência patrimonial. Quando há falhas nesse percurso, a regularização fiscal se transforma em entrave que compromete o andamento da sucessão.
Implicações práticas além das penalidades financeiras
O impacto de perder o prazo do inventário vai além da esfera tributária. Herdeiros que não formalizam o inventário não conseguem registrar imóveis em seu nome, tampouco vendê-los. Contas bancárias ficam bloqueadas, veículos não podem ser transferidos e empresas com participação societária do falecido enfrentam insegurança jurídica, o que se acentua em contratos com bancos, fornecedores ou outros sócios.
A administração do patrimônio herdado também se complica. Decisões simples tornam-se inviáveis e o espólio vira um impasse. Qualquer tentativa de resolver informalmente a posse dos bens pode gerar disputas prolongadas e, em certos casos, ações judiciais entre familiares.
Nesses contextos, conflitos latentes, antes abafados por convenções familiares, tendem a emergir com força. A ausência de uma condução técnica e tempestiva do inventário pode alimentar ressentimentos e transformar a herança em um litígio, em vez de um legado.
Quando o tempo se torna um fator de risco na partilha
Respeitar o prazo do inventário é uma medida concreta de proteção ao valor dos bens herdados e à estabilidade das relações entre os sucessores. Um inventário iniciado no tempo adequado reduz incertezas, evita bloqueios operacionais e limita a exposição dos herdeiros a custos adicionais, disputas e atrasos que comprometem a reorganização patrimonial.
O inventário costuma reunir sentimentos e expectativas em um momento de transição sensível. Quando há clareza sobre as providências necessárias e o processo segue o ritmo previsto pela legislação, o impacto do luto não se estende para o patrimônio nem compromete a gestão dos bens deixados.
Cada família atravessa esse momento à sua maneira. Mas, em qualquer cenário, o tempo pode ser um aliado ou um complicador. E é justamente por isso que antecipar as providências legais deixa de ser apenas um dever jurídico para se tornar uma medida de cuidado com o todo: com os bens, com as relações e com a continuidade das responsabilidades envolvidas. Seguimos à disposição para os esclarecimentos de que precisar.