A Resolução CVM nº 223/24, publicada em dezembro de 2024, estabelece novos critérios para a contabilização de créditos de carbono, permissões de emissão e Créditos de Descarbonização (CBIOs). Com vigência a partir de janeiro de 2025, a norma torna obrigatória a aplicação da Orientação Técnica OCPC 10 por todas as companhias abertas no Brasil. Para muitos, isso significa muito mais do que uma simples mudança contábil: trata-se de um passo necessário para alinhar o mercado brasileiro de carbono a padrões globais e trazer clareza sobre como esses ativos devem ser registrados e apresentados.
A aprovação da Resolução acompanha os avanços trazidos pela Lei nº 15.042/24, que estrutura o mercado brasileiro de carbono. A norma amplia o escopo das práticas contábeis relacionadas a ativos ambientais. Com isso, a CVM busca atender à necessidade de padronização contábil e transparência no tratamento desses instrumentos, que vêm ganhando relevância tanto no mercado regulado quanto no voluntário.
Conexões com a legislação ambiental brasileira
A Resolução CVM nº 223/24 não opera de forma isolada. Ela se alinha diretamente a um conjunto de normas que têm como objetivo estruturar o mercado de carbono no Brasil e fortalecer a governança ambiental das empresas. Entre essas normas, destaca-se a Lei nº 15.042/24, que criou as bases para a regulamentação do mercado brasileiro de carbono, e a Lei nº 13.576/2017, responsável por instituir o programa RenovaBio e os Créditos de Descarbonização (CBIOs).
Esse alinhamento reforça a necessidade de conformidade e evidencia a interdependência entre os critérios contábeis estabelecidos pela OCPC 10 e as obrigações regulatórias previstas em leis ambientais. Empresas que atuam no mercado de carbono, sejam no segmento regulado ou voluntário, precisarão compreender como a contabilização desses ativos impacta o cumprimento de metas de descarbonização e a prestação de contas relacionadas à responsabilidade socioambiental.
De ativos intangíveis a estoques: como a OCPC 10 organiza a contabilidade
Quando falamos em créditos de carbono, permissões de emissão e CBIOs, não estamos lidando com ativos simples. Cada um desses elementos pode desempenhar diferentes papéis no mercado, dependendo de quem os utiliza e para qual finalidade. A OCPC 10 busca organizar essa complexidade, estabelecendo regras claras para o reconhecimento, a mensuração e a divulgação desses ativos.
Mas como isso se traduz na prática? A orientação classifica esses ativos como não financeiros, o que significa que eles não geram direitos contratuais de recebimento de caixa. Em vez disso, eles podem ser tratados como estoques ou intangíveis, de acordo com o modelo de negócios da empresa.
Por exemplo, uma empresa que gera créditos de carbono a partir de projetos de reflorestamento os registra como estoques. Já uma companhia que utiliza esses créditos para compensar emissões os trata como ativos intangíveis. Essa separação é essencial para que os balanços patrimoniais reflitam a realidade econômica de cada organização.
Quem são os agentes no mercado de carbono?
Para entender a lógica da OCPC 10, é preciso considerar os diferentes papéis desempenhados pelas empresas no mercado de carbono. A orientação técnica identifica três agentes principais:
- Originadores: Empresas que controlam projetos certificados, como reflorestamento ou energia renovável, e geram créditos de carbono para venda. Para elas, esses ativos são classificados como estoques, registrados pelo custo de produção.
- Intermediários: Negociadores que compram e vendem créditos de carbono no mercado. Essas empresas podem optar por mensurar os estoques pelo valor justo, o que reflete melhor a dinâmica de preços desses ativos.
- Usuários finais: Empresas que utilizam créditos de carbono para compensar suas emissões. Nesse caso, os créditos são classificados como intangíveis e baixados à medida que são aposentados para cumprir metas de descarbonização.
Esses papéis não são estanques. Uma mesma empresa pode atuar como originadora e usuária final, dependendo de sua estratégia. O importante é que cada função seja refletida de forma precisa nas demonstrações contábeis.
Reconhecimento e mensuração
A Resolução CVM nº 223/24 traz clareza sobre como esses ativos devem ser tratados nos balanços. Para os originadores e intermediários, os créditos de carbono são registrados como estoques, mensurados inicialmente pelo custo e ajustados ao menor valor entre custo e valor realizável líquido. Essa abordagem permite que as demonstrações contábeis reflitam as flutuações do mercado de carbono, preservando a prudência.
Já para os usuários finais, os créditos são tratados como intangíveis. O custo de aquisição é registrado inicialmente, e ajustes subsequentes são feitos caso o valor recuperável seja inferior ao contábil. Esse método garante que os ativos sejam contabilizados de forma consistente com seu propósito: compensar emissões e atender a metas regulatórias.
A OCPC 10 também exige que as empresas incluam notas explicativas detalhadas, informando a quantidade de créditos em estoque, os métodos de mensuração utilizados e quaisquer obrigações associadas.
CBIO: um ativo único no mercado brasileiro
Entre os ativos abrangidos pela Resolução CVM nº 223/24, o CBIO merece atenção especial. Criado no âmbito do programa RenovaBio, ele é emitido por produtores ou importadores de biocombustíveis e negociado exclusivamente na bolsa de valores. Para distribuidores de combustíveis fósseis, o CBIO é um instrumento regulatório, utilizado para atender às metas anuais de descarbonização.
A OCPC 10 define regras específicas para a contabilização dos CBIOs:
- Originadores: Devem registrá-los como estoques, ajustados pelo menor valor entre custo e valor realizável líquido.
- Intermediários: Podem optar pelo valor justo deduzido de custos de venda.
- Usuários finais: Tratam os CBIOs como intangíveis, que são baixados ao serem aposentados para cumprimento de metas regulatórias.
Essas diretrizes permitem que os CBIOs sejam tratados de forma alinhada às suas funções no mercado, garantindo transparência e precisão contábil.
Riscos de descumprimento: impactos jurídicos, sanções e responsabilidades ambientais
A conformidade com a Resolução CVM nº 223/24 é indispensável para empresas que desejam evitar riscos regulatórios, financeiros e reputacionais. A não observância das diretrizes da OCPC 10 – seja no reconhecimento adequado de ativos ambientais, na mensuração correta ou na transparência das notas explicativas – pode trazer sérias implicações, especialmente para setores altamente fiscalizados, como energia, combustíveis e indústrias de alta emissão de gases de efeito estufa.
Entre os principais riscos estão:
- Sanções administrativas:
A CVM, como órgão regulador, possui competência para aplicar multas e outras penalidades em casos de descumprimento das normas contábeis. Isso inclui falhas na transparência das demonstrações financeiras ou a omissão de informações exigidas. - Litígios ambientais:
A ausência de rastreabilidade e precisão na contabilização de créditos de carbono e CBIOs pode dificultar a comprovação de cumprimento de metas regulatórias, resultando em processos judiciais por descumprimento de obrigações ambientais. - Impactos reputacionais:
Em mercados que valorizam a transparência e a sustentabilidade, a não conformidade pode comprometer a credibilidade de uma empresa perante investidores, clientes e parceiros comerciais, afetando diretamente sua competitividade. - Implicações fiscais:
Apesar de a Resolução não tratar diretamente de questões tributárias, falhas no registro e na mensuração de ativos ambientais podem resultar em inconsistências fiscais, gerando autuações e penalidades adicionais.
A rastreabilidade detalhada exigida pela OCPC 10 também serve como elemento estratégico para mitigar riscos. Notas explicativas claras e precisas não apenas garantem conformidade regulatória, mas também podem ser decisivas em disputas legais, fortalecendo a posição da empresa em eventuais litígios.
Impactos práticos para as empresas
A entrada em vigor da Resolução CVM nº 223/24, a partir de 1º de janeiro de 2025, marca uma nova etapa nas práticas contábeis das companhias abertas no Brasil. A norma exige que empresas adaptem seus processos internos, revisem políticas contábeis e adotem ferramentas mais sofisticadas para o registro e a mensuração de créditos de carbono, permissões de emissão e CBIOs.
Principais mudanças nas práticas contábeis
A Orientação Técnica OCPC 10 estabelece critérios detalhados para o reconhecimento, a mensuração e a divulgação de ativos ambientais. Para atender às novas exigências, as empresas precisarão realizar ajustes em diversas frentes:
- Revisão de políticas contábeis:
O alinhamento às diretrizes da OCPC 10 exige que as companhias revisem suas práticas contábeis relacionadas a estoques e ativos intangíveis. Isso inclui a reavaliação de métodos de mensuração e a adoção de procedimentos que garantam conformidade com os requisitos de transparência. - Implementação de sistemas especializados:
A necessidade de registrar créditos de carbono e CBIOs de forma detalhada requer a adoção de sistemas de controle e mensuração robustos. Esses sistemas devem integrar informações financeiras e ambientais, permitindo o rastreamento dos ativos e a automatização de cálculos relacionados à mensuração inicial e subsequente. - Transparência nas demonstrações financeiras:
As notas explicativas ganharão um papel central nas demonstrações financeiras, detalhando a quantidade de créditos em estoque, os métodos de mensuração utilizados e as obrigações associadas. Essa transparência será essencial para atender a auditorias e aos requisitos de governança corporativa.
Para atender aos requisitos da Resolução CVM nº 223/24, as empresas precisarão investir em:
- Capacitação técnica: Treinamento das equipes responsáveis pela contabilidade e governança ambiental para garantir que estejam preparadas para lidar com as especificidades dos ativos ambientais.
- Auditorias detalhadas: Reforço nos controles internos para suportar auditorias mais rigorosas, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento e à mensuração de créditos de carbono e CBIOs.
- Integração de departamentos: Coordenação entre as áreas contábil, financeira e de sustentabilidade, assegurando que os dados sejam consistentes e reflitam as exigências regulatórias de forma precisa.
Essas adequações internas são fundamentais para que as empresas não apenas atendam às exigências técnicas, mas também estejam preparadas para demonstrar credibilidade em um mercado cada vez mais atento à transparência e à governança.
O papel da Resolução CVM nº 223/24 na governança ambiental das empresas
A Resolução CVM nº 223/24 exige mais do que adequações técnicas: ela demanda uma visão integrada entre governança corporativa, conformidade ambiental e estratégia empresarial. Nesse cenário, a capacidade de traduzir obrigações regulatórias em práticas contábeis robustas será um diferencial competitivo para as empresas.
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