O Decreto 11.990/2024 publicou o Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte de Produtos Perigosos entre Estados do Mercosul. Este foi firmado pela República Federativa do Brasil, pela República Argentina, pela República do Paraguai e pela República Oriental do Uruguai. A proposta é padronizar documentos, regras e protocolos que precisam ser observados, definindo uma única orientação a ser seguida. Tudo isso está voltado para atendimento de requisitos legais de meio ambiente e saúde e segurança do trabalho.
A norma foi publicada com quatro anexos que complementam o seu texto. No mesmo dia, foi publicado também o Decreto 11.991/2024 que apresenta o modelo de Ficha de Emergência de porte obrigatório.
Internacionalmente, o Orange Book da ONU traça orientações para o transporte de produtos perigosos que inspiram as regras de direito interno acerca do tema. Dessa forma, boa parte das regras previstas para o Mercosul são as mesmas descritas no Orange Book e na Resolução da ANTT 5998/2022 (regulamentação brasileira).
Apesar da ampla similaridade, há pontos que precisam de atenção, pois diferem destas duas normativas. Por isso, as empresas de transporte que operam entre países do Mercosul precisam se atualizar após a publicação do Decreto 11.990/2024.
Neste texto, detalharemos os principais pontos de atenção para as empresas brasileiras, indicando o que difere do previsto no Orange Book e na Resolução da ANTT 5998/2022 e que, por isso, não faz parte da rotina das organizações.
Decreto 11.990/2024 – Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte de Produtos Perigosos entre estados do Mercosul.
Para uma visão das mudanças, indicaremos as principais delas que afetam o transporte de produtos perigosos no Mercosul, citando também o ponto do texto normativo que traz tais mudanças. Vejamos:
No artigo 8° do acordo, é criada a obrigatoriedade de constar, na documentação do transporte, o procedimento a ser adotado em caso de emergência. Para as empresas que transitam pelas rodovias estaduais de Minas Gerais essa exigência não é novidade, pois, no estado, já exigido o PAE – Plano de Ação de Emergência, porém no resto do país não há uma exigência similar e as empresas precisão se adequar.
O Art. 10, por outro lado, facilita mesmo a circulação de transporte de produtos perigosos. Neste, é disposto que as certificações nacionais das embalagens serão aceitas internacionalmente mesmo se o modo de ensaio daqui for diferente. Como para a circulação interna, este tipo de certificação já é exigido, a uniformização desta decisão facilita o trânsito de veículos.
O Anexo I dispõe sobre as Normas Funcionais para o Transporte Terrestre. Este trata de aspectos gerais e de pontos mais específicos sobre documentos, obrigações e vedações.
É definido que o percurso dos veículos que realizam transporte de produtos perigosos deve evitar áreas densamente povoadas ou que passam por mananciais de água. Há algumas restrições de circulação, por isso, deve-se sempre ser verificado se as vias do percurso são liberadas para trânsito e, se for o caso, é necessário pedir a autorização necessária.
Seu artigo 4° dispõe que é exigido o porte de Certificado de Inspeção Técnica Veicular Válido. Este documento não está descrito na legislação nacional e é específico para a circulação entre Estados do Mercosul. Desse modo, as empresas precisam buscar este certificado.
Já o artigo seguinte trata da exigência da Ficha de Emergência. Ela não é mais exigida no Orange Book e nem no Brasil, mas deve ser mantida para o trânsito entre países do Mercosul e obedecer ao modelo padrão apresentado no Decreto 11991/2024. Outro documento que a norma Mercosul exige, mas a legislação brasileira não cobra é a declaração do expedidor.
Um ponto extremamente relevante, pois impõe uma restrição que não existe no Brasil, é a proibição de circulação de uma unidade de transporte carregada com produtos perigosos com mais de um reboque ou semirreboque. Esta restrição é descrita no art. 8° do Anexo I e irá, de fato, repercutir na rotina das empresas.
O Art. 11. viabiliza uma possibilidade de transportar passageiro nos veículos que levam produtos perigoso. No Brasil, é proibida essa “carona”, mas o acordo a reconhece quando, no veículo, houver mais do que um membro da tripulação. Assim, se a tripulação do veículo for composta por um motorista e um auxiliar poderá ser levado um passageiro no transporte entre estados do Mercosul. Contudo, lembre-se: no Brasil, permanece proibido, pois todos os ocupantes do veículo devem estar portando EPI, ter curso MOP e usar roupas adequadas.
Outra flexibilização diante da legislação brasileira está prevista no art. 14. No Brasil é proibido transportar alimentos, medicamentos ou quaisquer objetos ou produtos destinados ao uso ou consumo humano ou animal em embalagens que tenham contidos produtos perigosos. Essa proibição se dá, até mesmo por não haver, no país, uma empresa com tecnologia capaz de realizar uma completa descontaminação das embalagens.
A legislação do Mercosul autoriza este transporte desde que haja um laudo confirmando a descontaminação e que sejam informados os 3 últimos produtos transportados.
Um outro ponto que difere da legislação nacional, mas que, no caso, amplia as obrigações, está previsto no art. 24. Neste é definida a obrigação do condutor observar regularmente, em local adequado, a condição do veículo. No Brasil, essa exigência se limita à checagem na hora da saída do transporte. Já, na norma do Mercosul, é expressamente definido que devem ser feitas mais verificações ao longo do trajeto. Por isso é importante que o condutor faça a avaliação do veículo em mais paradas e preencha devidamente os checklists para evidenciar o cumprimento deste requisito.
Art. 30 chama a atenção para o transporte de produtos perigosos de alto risco. Estes se caracterizam como aqueles que poderiam ser utilizados em atentados terroristas com graves consequenciais. Por isso, o transporte destes materiais deve ser realizado conforme a norma e observando as especificações cabíveis. Exemplos que a norma enumera como produtos perigosos de alto risco: substâncias e objetos explosivos, gases inflamáveis e tóxicos, líquidos inflamáveis, o nitrato de amônio. Os serviços de transporte, nestes casos, devem ser programados e planejados previamente.
O Art. 33 descreve que o contrato de transporte deve designar a responsabilidade pelas despesas decorrentes de assistência de emergência, acidente, avaria.
O art. 87 segue em linha parecida e formaliza que o transportador é responsável pelo transporte, ainda que este seja realizado por terceiro contratado (transportador autônomo). Isso não é uma novidade no Brasil, mas aqui a norma não trata expressamente da subcontratação.
O art. 86 afirma que o transportador deve informar ao expedidor os 3 últimos produtos carregados pelos equipamentos e destaca que o transportador é responsável pela qualidade da carga no momento de sua entrega. Então, diferente do que ocorre no Brasil, é importante que o transportador acompanhe a estiva para evitar algum mal acondicionamento e a sua responsabilização.
Outra questão que chama a atenção é o valor das multas. Elas ficaram bem superiores porque o dólar é a moeda que servirá como base de cálculo.
A Parte 2 apresenta a relação de produtos perigosos conforme disposto no Orange Book (número ONU) e que também consta na Resolução da ANTT 5998/2022. A lista deve ser verificada ao ser realizado transporte entre países do Mercosul, pois há alguns produtos que não foram mencionados. De todo modo, o padrão ONU foi mantido, então, de um modo geral, a norma apresenta poucas novidades à rotina dos transportadores.
Parte 3 referencia as instruções para embalagens dos produtos perigosos listados na Parte 2. As orientações seguem o que dispõe o Orange Book, já aplicado e observado pelas transportadoras brasileiras.
A Parte 4 descreve as condições mínimas de ensaios a que as embalagens devem ser submetidas para obtenção de creditação. Esta seção é bastante semelhante à Parte 6 da Resolução ANTT 5998/2022, que também estabelece as condições mínimas para ensaios.
Pode-se perceber que a norma do Mercosul apresenta novidades importantes e requisitos legais que precisam da atenção dos transportadores, mas aqueles que já monitoram as exigências da legislação brasileira terão mais facilidade em se adequar e atender à conformidade.
Modelo Padrão de Ficha de Emergência
O Decreto 11991/2024 – que também integra a atualização mensal Qualifica NG 01 a 30 de abril – regulamenta a execução do Terceiro Protocolo Adicional ao Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte de Produtos Perigosos (3PA-AAP.PC7). Este foi firmado pela República Federativa do Brasil, pela República Argentina, pela República do Paraguai e pela República Oriental do Uruguai.
De acordo com o protocolo, durante o transporte de produtos perigosos, é obrigatório portar a Ficha de Emergência, exceto quando se transportam quantidades limitadas por veículos. Esta ficha contém informações e instruções para auxiliar as autoridades na adoção das medidas necessárias em caso de acidente.
Além disso, em situações de acidente ou emergência, a tripulação do veículo deve adotar certas ações, desde que seja seguro e possível.
Para facilitar o cumprimento dessas orientações, o Decreto introduz um modelo unificado de Ficha de Emergência para o transporte rodoviário de produtos perigosos no Mercosul. Esse modelo unificado facilitará a fiscalização pelas autoridades competentes.
Os Anexos I e II do Decreto detalham, respectivamente, o modelo da Ficha de Emergência e as instruções para seu preenchimento. A Ficha deve ser escrita nos idiomas dos países de origem, trânsito e destino.
Adicionalmente, o item 15, que foi incluído, recomenda a apresentação de informações adicionais. Embora essa recomendação não seja obrigatória, ela orienta sobre quais procedimentos seguir em uma emergência.
Para concluir podemos dizer que novos padrões e requisitos devem ser observados para o transporte de produtos perigosos entre Estados membros do Mercosul. As orientações do Orange Book, assim como a Resolução ANTT 5998/22, estão mantidas, mas há algumas especificações que precisam de atenção, tais como:
- exigência de Ficha de Emergência (modelo publicado no Decreto 11991/2024);
- exigência de plano de emergência;
- autorização de levar passageiro caso a tripulação do veículo tenha mais de uma pessoa;
- aceitação de certificações nacionais das embalagens;
- porte de Certificado de Inspeção Técnica Veicular Válido específico para Mercosul;
- proibição de circulação de uma unidade de transporte carregada com produtos perigosos com mais de um reboque ou semireboque;
- exigência de mais de um checklist ao longo do trajeto avaliando as condições do veículo.
Tudo isso deve ser observado e as transportadoras devem estar também atentas aos requisitos específicos impostos pela Resolução ANTT 5998/22 que regula para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos no Brasil.
Todas as organizações que atuam no transporte de produtos perigosos bem sabem que essa é uma atividade que requer muito cuidado, preparo, capacitação. Mas as recentes alterações podem ser uma boa oportunidade para rever requisitos comuns entre a legislação brasileira e o Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Transporte de Produtos Perigosos entre Estados do Mercosul e ampliar áreas de atuação.
Precisa de ajuda para entender melhor esses requisitos de forma estratégica? Estamos a sua disposição. Vamos conversar?