Redução das emissões de gases de efeito estufa, o Mercado de Carbono e o acesso a recursos no mercado financeiro.
Contemporaneamente, o papel das mudanças climáticas vêm ganhando espaço à medida em que diversos estudos científicos apontam os efeitos nocivos do aumento de emissões de gases de efeito estufa (GEE), entre estes o carbono, e sua correlação com o aquecimento global. O fenômeno é hoje uma ameaça real às condições de vida da população mundial.
Visando mitigar o efeito destrutivo do aquecimento global, diversas iniciativas, em nível regional e internacional – com destaque para o Protocolo de Kyoto (2005) – surgem para dar luz ao debate e fornecer alternativas para uma economia mundial mais sustentável, com foco na redução das emissões de gases de efeito estufa.
Por conseguinte, o Protocolo de Kyoto foi uma dessas alternativas ao adotar instrumentos de mercado para auxiliar seus signatários a reduzirem suas emissões de GEE ou adotarem medidas de compensação. Dentre esses instrumentos há o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que visa certificar projetos voltados para a mitigação das emissões, gerando créditos de carbono, que são, posteriormente, comercializados em um ambiente institucional denominado mercado regulado de carbono, com regras estabelecidas e monitoradas pelo sistema ONU.
Outra iniciativa neste sentido foi o Acordo de Paris, adotado em dezembro de 2015 pelos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, durante a 21ª Conferência das Partes (COP21). Esse acordo rege medidas de redução de emissão de dióxido de carbono a partir de 2020, e tem por objetivos fortalecer a resposta à ameaça da mudança do clima e reforçar a capacidade dos países para lidar com os impactos gerados por essa mudança.
O que é e como funciona o mercado de carbono?
Ao longo dos anos, estabeleceram-se dois tipos de mercado de carbono: o regulado e o voluntário.
Mercado regulado
No mercado regulado, os governos nacionais, estaduais e regionais determinam esquemas fechados envolvendo setores específicos, com uma visão mais burocrática, haja vista que esses programas obedecem às certificações internacionais, mas que por um lado dificulta o acesso a determinados setores.
Mercado voluntário
Por outro lado, o mercado voluntário de carbono atende à demanda por créditos de carbono de empresas e indivíduos que voluntariamente decidem neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa – esse mercado surgiu de forma paralela ao Protocolo de Quioto, com as Reduções Voluntárias de Emissões – VERs em inglês.
O mercado voluntário fomenta, por exemplo, a inclusão de projetos socioambientais focados na redução de emissões de pequenas empresas e, até, de comunidades tradicionais na mitigação das mudanças climáticas. Em outro passo, o mercado voluntário amplia o acesso a iniciativas regionais, e não somente setoriais.
Há estudos que demonstram que o processo de elaboração de um projeto no mercado regulado de carbono, com os valores de investimentos necessários para aprová-lo, varia de € 47.354,00 a € 138.116,00 (equivalente a um valor entre US$ 60.000,00 e US$ 175.000,00), que é um montante significativo e capaz de inviabilizar diversos projetos de pequeno e médio porte por si só (JUNIOR et al., 2015).
Mercado de Carbono: Decreto Nº 11.075/22 e como se preparar para as oportunidades
Visando dar concretude ao mercado carbono brasileiro, destacam-se duas iniciativas recentes por parte do poder público:
- o edital de chamada pública do BNDES para a aquisição de créditos de carbono no mercado brasileiro, e
- a publicação do Decreto Nº 11.075/22, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa.
Sistema BNDS
Na esteira do mercado voluntário, o Sistema BNDES avaliou possíveis instrumentos financeiros ou institucionais para fomentar a estruturação do mercado voluntário de carbono no Brasil. O resultado foi o primeiro edital com orçamento total de até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
Foram elegíveis projetos de diferentes tipos, como Reflorestamento, visando a recuperação da cobertura vegetal com espécies nativas em biomas brasileiros, bem como projetos chamados REDD+, que visam à redução de emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal, assim como à conservação, manejo florestal sustentável e ao aumento de estoques de carbono nas florestas.
Ademais, foram aceitos somente projetos que atendiam a Padrões de Certificação Aceitos (“Standards”) como:
- Padrões de Certificação Voluntários: para certificação dos Créditos de Carbono são aceitos os padrões Verified Carbon Standard (VCS) ou Gold Standard (GS).
- Padrões de Certificação de Cobenefícios: Projetos que contemplem benefícios adicionais (aspectos climáticos, sociais, de biodiversidade ou sustentabilidade) deverão apresentar certificação conforme os padrões Climate, Community & Biodiversity (CCB) ou SOCIALCARBON
Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa
No mesmo sentido, em outra iniciativa mais concreta, mas pelo lado do mercado regulado, o governo federal publicou o Decreto Nº 11.075/22 que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa.
Em outras palavras, a medida cria o mais moderno e inovador mercado regulado de carbono, com foco na exportação de créditos, especialmente para países e empresas que precisam compensar emissões para cumprir com seus compromissos de neutralidade de carbono.
O decreto do governo federal teve como objetivo dar diretrizes ao mercado com base na exportação de créditos para países e empresas que precisam compensar as emissões para cumprir compromissos de neutralidade de carbono. O texto define nove setores para planos de redução de gases de efeito estufa, entre eles indústria, transporte público, mineração, agropecuária e serviços de saúde.
O regulamento era aguardado desde 2009 e traz agora elementos inéditos, como os conceitos de crédito de carbono e crédito de metano, unidades de estoque de carbono e o sistema de registro nacional de emissões e reduções de emissões e de transações de créditos.
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Mercado de carbono: importante forma de project finance
Em conclusão, o mercado de carbono será uma importante forma de project finance para as empresas não só por representar uma importante ferramenta no combate às mudanças climáticas, mas também por representar um “standard” de investimento, facilitando acesso a recursos no mercado financeiro.
A título de exemplo, de acordo com a IHS Markit, no final de 2020, o preço global do carbono era de US$24,05 por tonelada de CO2. Estima-se que os preços precisam atingir uma faixa de US$50 – US$100 para atingir as metas do Acordo de Paris.
Desde julho de 2014, quando o índice de carbono foi criado, ele acumula ganhos de +395%, enquanto o S&P 500 e o Ibovespa subiram +120% e +133% em dólar e em real, respectivamente.
Projeto pioneiro
Ressalta-se, por fim, que já há diversos projetos nacionais pioneiros que podem servir de exemplos para certificações futuras.
O projeto Cerâmica Santa Izabel é um projeto modelo. Localizado em Itaboraí (RJ), o projeto teve início em 2004 e consistia na substituição de combustível fóssil (lenha) por biomassa. Aquisição de novos equipamentos, como queimadores mecânicos e termopares contribuíram para melhoria na eficiência energética e minimizaram a perda de calor na produção da cerâmica.
Foram também instaladas estruturas metálicas que capturam calor do sol para a secagem, tornando-a mais rápida e natural, não sendo necessária utilização de ventiladores – o que diminui o gasto de energia – a modelagem do projeto recebeu a certificação Verified Carbon Standard (VCS) + Social Carbon.
Sendo assim, é papel das empresas antecipar-se visando estruturar os projetos, entender mais sobre o mercado voluntário e buscar Padrões de Certificação Voluntários para esses projetos (Verified Carbon Standard (VCS) ou Gold Standard (GS), por exemplo).
Destaca-se, por fim, que os projetos podem ser voltados para melhoria energética, transição de matriz, ou até mesmo reflorestamento e criação de corredores ecológicos, demonstrando a ampla capacidade que as empresas possuem para ter acesso a este importante mecanismo de financiamento que é o mercado de carbono.
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1JUNIOR, José Affonso dos Reis; RIBEIRO, Maisa de Souza; JABBOUR, Charbel José Chiappetta; BELLEN, Hans Michael van. Análise da Potencialidade de Benefícios pelos Projetos MDL. São Paulo: Revista Brasileira de Gestão e Negócios, 2015