Patrimônio Genético

Proteção ao Patrimônio Genético: o que é e os impactos na conformidade legal

Sumário

Vamos entender o que é Patrimônio Genético (PG), as legislações que tratam desse tema e sua importância na gestão de requisitos legais das empresas.

O Brasil é conhecido por sua biodiversidade. A vasta extensão territorial é formada por múltiplos povos e biomas que vivem em constante troca. Tais trocas firmaram conhecimentos, práticas e culturas baseados nas interações entre homem e natureza. 

Apesar de, muitas vezes, as interações dos povos tradicionais serem rudimentares, um tanto distantes dos avanços tecnológicos, representam técnicas sustentáveis eficientes de uso do meio ambiente, carregando consigo uma “ciência” que não está descrita na literatura técnica.

Assim, despertam o interesse de cientistas e investidores, pois desafiam a tecnologia que, em várias circunstâncias, agride o meio ambiente de forma bem mais desvantajosa do que a capacidade de promoção da melhoria de qualidade de vida. 

Tendo este cenário, a legislação brasileira tem levantado pontos de atenção relevantes sobre o patrimônio genético. Afinal, empresas transnacionais e outros Estados têm se apropriado de culturas tradicionais e elementos da natureza tipicamente brasileiros. 

O baixo investimento em pesquisas e em ciência no país deixa um vácuo que está sendo ocupado por estrangeiros. As culturas tradicionais e a biodiversidade brasileira contém, por exemplo, vasto campo a ser explorado na área farmacêutica e para a saúde.

As leis que visam resguardar a cultura tradicional de uso do meio ambiente no Brasil chamam esta discussão de ‘patrimônio genético’. A expressão é interessante, pois, de fato, trata-se de um patrimônio, de bens dotados de valor econômico, que precisam ser protegidos, assim como qualquer tipo de obra, arte ou monumento natural que é tombado pelos órgãos de proteção. 

O que é patrimônio genético nacional segundo a lei?

De acordo com a lei, o Patrimônio Genético Nacional é o conjunto de informações genéticas contidas em plantas, animais, microorganismos e outras espécies presentes no território nacional.

Isso inclui desde as partes dos organismos, como raízes, penas e cascas, até as substâncias que produzem, como látex e veneno. Além disso, a definição inclui as informações de origem genética dessas espécies, bem como o conhecimento tradicional associado a elas.

O objetivo é proteger e garantir o uso sustentável desse fundo genético, permitindo que a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico sejam realizados de forma responsável e equitativa, preservando a biodiversidade e os recursos naturais.

Conceito de Patrimônio Genético

É chamado de Patrimônio Genético (PG) o conjunto de informações genéticas contidas nas plantas, nos animais e nos microrganismos, no todo ou em suas partes como cascas, folhas, raízes, pelos, penas, peles, etc. Podem ser considerados todos os materiais, estejam eles vivos ou não. 

Assim, pode-se afirmar que o PG está contido em substâncias produzidas pelos organismos como resinas, látex de plantas ou venenos de animais e substâncias químicas produzidas por microrganismos. 

Tais organismos e materiais que ocorrem de forma natural no Brasil são patrimônio genético brasileiro, sejam seres vivos nativos ou que passam a ter características específicas ao serem inseridos no território nacional.

Também são protegidos como patrimônio genético os conhecimentos e as práticas de comunidades tradicionais que interagem com o meio ambiente de forma especial. 

Estas práticas podem ser apropriadas por outras pessoas ou empresas e gerarem lucro a estas sem se mensurar o valor cabível às comunidades que as desenvolveram. 

Patrimônio Genético e a Constituição Federal

A Constituição Federal de 1988 inovou ao demonstrar uma preocupação direta com o meio ambiente no art. 225, criando obrigações para a sociedade e para o Poder Público em preservá-lo. O § 1º inciso II do art. 225 dispõe que para assegurar a efetividade do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

Diante do exposto, o Estado deve proteger o patrimônio genético e regulamentar a sua exploração. Por isso foram criadas normas e o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen).

O CGen é um órgão colegiado que visa desenvolver um sistema nacional de acesso e repartição de benefícios que promova desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental, sem prejudicar a conservação da biodiversidade brasileira. 

Parte-se do pressuposto de que o desenvolvimento é realmente benéfico e a sociedade deve prezar a preservação ambiental.

Também foi criada a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. Esta é uma instância colegiada multidisciplinar, criada por meio da lei Nº 11.105, de 24 de março de 2005. 

Seu objetivo é dar suporte técnico consultivo e assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGM – Organismo Geneticamente Modificados. 

São estabelecidas normas técnicas de segurança e pareceres sobre a proteção à saúde humana, aos organismos vivos e ao meio ambiente. Busca-se regulamente quaisquer atividades que envolvem a modificação genética, como construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e até mesmo o descarte.

Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 

Em nível internacional, foi firmada a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que se estrutura sobre três bases principais: a conservação da diversidade biológica; o uso sustentável da biodiversidade; e a repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos. 

Rocha Cerqueira

Esta se refere à biodiversidade em três níveis: ecossistemas, espécies e recursos genéticos. A CDB foi ratificada no Brasil pelo Decreto Federal Nº 2.519 de 16 de março de 1998.

A ratificação da Convenção foi fundamental para nortear as normas que tratam especificamente da proteção do patrimônio genético, em especial a Lei Nº 13.123/2015 e o Decreto Nº 8772/2016.

Lei Nº 13.123/2015

Em 2015, Congresso Nacional aprovou a Lei 13123 que trata da proteção e do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. Essa Lei também aborda a repartição de benefícios para conservação e o uso sustentável da biodiversidade, Contudo, a norma não se aplica ao patrimônio genético humano.

A norma determina que o acesso ao patrimônio genético existente no País ou ao conhecimento tradicional associado para fins de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico e a exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo desse acesso somente pode ser realizado mediante cadastro, autorização ou notificação. 

Tais procedimentos serão submetidos a fiscalizações, restrições e repartição de benefícios.

Com relação aos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético de populações indígenas, de comunidade tradicional ou de agricultor tradicional, estes são resguardados contra a utilização e exploração ilícita. 

Dessa forma, o acesso a tais conhecimentos está condicionado à obtenção de consentimento prévio e informado.

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O que cadastrar no Cgen?

De modo expresso, a norma enumera algumas atividades que devem ser observadas e cadastradas no Cgen: 

  1. acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado;
  2. remessa para o exterior de amostras de patrimônio genético; e
  3. exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado.

A União poderá exigir autorização prévia do Conselho de Defesa Nacional para as atividades relacionadas à segurança nacional. Já atividades que ocorrem em águas jurisdicionais brasileiras, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva, necessitam da anuência da autoridade marítima.

A exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado à Lei exige a notificação do produto acabado ou do material reprodutivo ao CGen e a apresentação do acordo de repartição de benefícios.

Para disponibilizar mais recursos à proteção do patrimônio genético e às comunidades tradicionais que desenvolveram práticas associadas a estes, a Lei cria o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios e o Programa Nacional de Repartição de Benefícios.

A norma ainda destaca uma preocupação com o uso que será feito do patrimônio genético e do conhecimento tradicional. Estes não podem, por exemplo, serem associados a práticas nocivas ao meio ambiente, à reprodução cultural e à saúde humana e para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas.

Sanções administrativas

Aqueles que descumprirem a Lei 13.123/2015 ficam sujeitos a sanções administrativas como:

  1. advertência;
  2. multa;
  3. apreensão:
  • das amostras que contêm o patrimônio genético acessado;
  • dos instrumentos utilizados na obtenção ou no processamento do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado acessado;
  • dos produtos derivados de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado; ou
  • dos produtos obtidos a partir de informação sobre conhecimento tradicional associado;
  1. suspensão temporária da fabricação e venda do produto acabado ou do material reprodutivo derivado de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado até a regularização;embargo da atividade específica relacionada à infração;
  2. interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento;
  3. suspensão de atestado ou autorização de que trata esta Lei; ou
  4. cancelamento de atestado ou autorização de que trata esta Lei.

Decreto Nº 8772/2016

O Decreto Nº 8772/2016 regulamenta a Lei Nº 13.123/2015 e detalha o campo de aplicação das regras estipuladas; o que é considerado patrimônio genético e conhecimento tradicional associado; a forma a qual cada um deve ser avaliado para a aplicação da norma.

É também o Decreto que dispõe sobre o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – Cgen, suas atribuições, estrutura e formação. Um ponto importante é a criação do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado – SisGen, sistema eletrônico a ser implementado, mantido e operacionalizado pela Secretaria-Executiva do CGen. 

Tal sistema é um instrumento para acompanhar o cumprimento do que a regulamentação determina, pois centraliza, de forma simples e eletrônica, todas as informações sobre materiais utilizados, enviados, credenciamento das instituições, autorizações, remessas ao exterior, etc. 

O Anexo do Decreto Nº 8772/2016 indica a Lista de Classificação de Repartição de Benefícios.

Conformidade Legal e Patrimônio Genético

Conhecer as normas que tratam do Patrimônio Genético é estar responder a questões de responsabilidade ambiental e social, valorizando o passado, atuando no presente e construindo o futuro, afinal trata-se de bens atemporais, que ultrapassam gerações e, se bem empregados, podem viabilizar formas de garantir a qualidade de vida para as atuais e futuras gerações. 

Sendo assim, é extremamente importante valorizar os conhecimentos de comunidades tradicionais, a fim de incentivar estas a manterem suas práticas sustentáveis e aprender com elas. 

Da mesma forma, um controle sobre o uso do patrimônio genético e das intervenções em genomas é essencial para se preservar a vida e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A evolução da ciência é necessária, mas sem atropelar estratégias de controle que não visam retardar o desenvolvimento, mas cuidar da saúde e da qualidade de vida. 

Aspectos legais, éticos e morais se chocam o tempo todo quando o assunto é ciência. Por isso não basta avaliar textos normativos, vantagens econômicas ou a tecnologia a qualquer custo. A avaliação destes elementos deve ser feita de forma sistêmica, sem perder de vista todas as influências deles derivadas.

A conformidade legal é então uma parceira da proteção ao patrimônio genético e do futuro da humanidade, especialmente quando esta considera os ODSs da ONU, a cultura ESG e como interferir no patrimônio genético ou nas práticas tradicionais pode mudar a vida de toda a comunidade e dos variados stakeholders.


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Natália Cardoso Marra
Natália Marra

Advogada Associada da Rocha Cerqueira; Doutora em Ciências Sociais pela PUC Minas; Mestre em Gestão Social e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UNA; Pós-graduada em Direito Ambiental pela Faculdade Gama Filho; Pós-graduada em Administração Pública e Gestão Urbana pela IEC/PUC Minas; Pós-graduada em Justiça Restaurativa e Práticas Circulares pela IEC/PUC Minas; Graduada em Direito pela Milton Campos. Professora universitária com mais de 14 anos de experiência no mercado. Toda a trajetória profissional é engajada com a participação social e o envolvimento com instituições do terceiro setor voltados para os direitos humanos e a educação. Tem experiência em mobilização social e atuação com comunidades. OAB MG 117.356

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OAB MG 3.057

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