O licenciamento Ambiental

Licenciamento ambiental: os desafios estratégicos após as Leis nº 14.129 e nº 14.195

Sumário

Licenciamento ambiental é uma das pautas mais sensíveis e estratégicas da gestão empresarial no Brasil, especialmente pela sua capacidade de interferir diretamente na execução e no ritmo de novos negócios.

Contudo, há anos, o procedimento é alvo de críticas, tanto pela morosidade burocrática, quanto pela rigidez e, em alguns casos, pela falta de clareza nos critérios aplicados pelos órgãos responsáveis.

Nesse cenário já conflituoso, o debate sobre a revisão do licenciamento ganhou mais intensidade e relevância estratégica com a aprovação recente de duas importantes alterações legislativas: a conversão do Projeto de Lei nº 3729/2004 na Lei nº 14.129/2022 e da Medida Provisória nº 1.040/2021 na Lei nº 14.195/2021.

Para entender o alcance dessas mudanças é preciso analisar com clareza como cada um desses diplomas legais redefine o licenciamento ambiental no país, trazendo desafios práticos e conceituais à gestão ambiental, ao compliance empresarial e à sustentabilidade.

O que é Licenciamento Ambiental e para que serve?

Antes de entender as implicações estratégicas trazidas pelas recentes alterações legislativas – especialmente a Lei nº 14.129/2022 (antigo PL nº 3729/2004) e a Lei nº 14.195/2021 (conversão da MP nº 1.040/2021) –, é necessário revisitar brevemente o objetivo e a relevância do licenciamento ambiental como instrumento jurídico.

O licenciamento ambiental é um procedimento obrigatório no Brasil, criado pela Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, e posteriormente consolidado na Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma intervenção do Estado obrigatória antes da instalação e operação de atividades e empreendimentos que possam causar danos ambientais, visando antecipar, avaliar e prevenir impactos significativos.

Esse processo é conduzido pelos órgãos ambientais competentes por meio de uma análise técnica aprofundada e criteriosa do impacto ambiental. É exatamente essa avaliação prévia que define as condicionantes que deverão ser cumpridas para minimizar e controlar possíveis danos ambientais.

A Constituição Federal de 1988 reforçou essa obrigatoriedade, destacando a proteção ambiental como um dever do poder público, conforme o artigo 225, §1º, em que são destacados verbos como preservar, restaurar, definir, controlar, promover e proteger, indicando claramente a amplitude do papel do Estado.

Sobre isso, o jurista Paulo Affonso Machado esclarece que, diante da previsão constitucional, o licenciamento ambiental não pode ser interpretado como mera faculdade, mas como obrigação direta dos poderes públicos, que devem agir sob critérios objetivos e impessoais:

Os comportamentos de todos os Poderes Públicos não podem ser faculdades, possibilidades ou atos ditados pelo oportunismo ou por ocorrências ocasionais. Os comportamentos constitucionais determinados aos Poderes Públicos— do Executivo, do Legislativo e do Judiciário— visam especialmente à eficiência e à impessoalidade.” (MACHADO, pág. 334, 2013)

Assim, a função essencial do licenciamento ambiental é assegurar a prevenção e mitigação de impactos ao meio ambiente, conciliando desenvolvimento econômico e proteção ambiental.

Licenciamento Ambiental: contexto e relevância jurídica

O licenciamento ambiental como hoje conhecemos é fruto de uma longa evolução normativa, ancorada inicialmente pela Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e formalizou, pela primeira vez, a obrigatoriedade da autorização prévia para empreendimentos potencialmente impactantes. Sete anos depois, a Constituição Federal de 1988 reforçou esse compromisso, ao determinar explicitamente em seu artigo 225 que é dever do Poder Público controlar, prevenir e mitigar impactos ambientais decorrentes das atividades econômicas.

Desde então, a legislação ambiental se tornou progressivamente mais complexa, ganhando camadas adicionais de exigências técnicas e administrativas. Ao longo das décadas seguintes, a regulamentação foi alvo de constantes revisões por meio de resoluções do CONAMA, decretos estaduais e normativas específicas, buscando aperfeiçoar e detalhar processos e critérios.

Entretanto, o que inicialmente foi visto como uma conquista regulatória essencial para o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e conservação, começou a ser duramente questionado por representantes do setor produtivo, especialmente por empresários que identificavam excessos burocráticos, demora nas análises técnicas e insegurança jurídica nos processos decisórios.

Foi justamente nesse contexto histórico, marcado por críticas crescentes em relação à lentidão e às exigências processuais do licenciamento ambiental, que em 2004 nasceu o Projeto de Lei nº 3729. A iniciativa legislativa propunha, em essência, uma ampla revisão no arcabouço jurídico do licenciamento, buscando soluções para reduzir burocracias, flexibilizar procedimentos administrativos e acelerar a emissão das licenças.

Após um debate legislativo que se arrastou por quase duas décadas, permeado por discussões acirradas entre ambientalistas, setor empresarial e órgãos públicos, em 2021 o PL finalmente avançou significativamente, sendo aprovado pela Câmara dos Deputados e, após novas modificações realizadas pelo Senado Federal, retornou para a Câmara onde, em agosto daquele ano, obteve aprovação definitiva. O PL nº 3729/2004 foi sancionado e publicado como Lei nº 14.129/2022.

No mesmo período, uma outra norma importante reforçou essa tendência de simplificação: a Medida Provisória nº 1.040/2021, convertida em agosto de 2021 na Lei nº 14.195/2021, trouxe medidas como o licenciamento automático para atividades de risco médio, configurando mais uma alteração significativa no modelo tradicionalmente praticado.

Portanto, compreender esse histórico normativo é essencial para gestores empresariais estratégicos, pois permite entender que, embora a simplificação recente busque agilizar o ambiente de negócios, também transfere para as empresas uma responsabilidade redobrada em relação ao controle dos próprios impactos ambientais.

Essa breve linha do tempo histórica deixa claro que a busca por equilíbrio entre agilidade econômica e rigor ambiental é antiga e complexa, e que as soluções agora vigentes, ainda que efetivadas por meio das recentes mudanças normativas, não eliminam a necessidade de uma gestão ambiental ainda mais cautelosa e proativa por parte das organizações.

PL nº 3729/2004 à Lei nº 14.129/2022

Após quase duas décadas de trâmite legislativo, o Projeto de Lei nº 3729/2004 deixou finalmente de ser uma mera proposição para tornar-se realidade jurídica com a promulgação da Lei nº 14.129, de 2022. Durante sua tramitação, foram intensos os embates sobre algumas medidas que, segundo críticos, poderiam fragilizar a proteção ambiental.

Entre as modificações mais polêmicas e agora vigentes, destacam-se:

  • Equiparação parcial do Cadastro Ambiental Rural (CAR) ao licenciamento ambiental rural para algumas atividades específicas, medida que gerou forte reação devido à preocupação com a capacidade do CAR em realizar análises suficientemente profundas.
  • Redução significativa da compensação ambiental, o que gerou resistência especialmente pela potencial diminuição dos recursos destinados à conservação de áreas protegidas.
  • Criação de novas modalidades de licenciamento (bifásico, fase única e licença por adesão e compromisso), visando a agilizar processos e reduzir exigências documentais, apesar das ressalvas feitas por órgãos ambientais sobre a diminuição da avaliação prévia.
  • Isenção automática de licenciamento para atividades militares e obras em infraestrutura pré-existente, medida também contestada por especialistas em razão de possíveis fragilidades na análise dos impactos ambientais.

A Lei nº 14.129/2022 introduziu também três modalidades estratégicas específicas de licenciamento ambiental, visando conferir maior agilidade ao processo:

Rocha Cerqueira
  • Licenciamento Bifásico, integrando duas etapas em uma única licença.
  • Licenciamento em fase única (LAU), combinando as fases de instalação e operação.
  • Licença por adesão e compromisso (LAC), com processos simplificados e automáticos para empreendimentos considerados de baixo risco.

Essas novas modalidades têm como base o discurso de eficiência administrativa e celeridade processual, embora sejam vistas com reservas pelos setores ambientalistas e órgãos técnicos reguladores.

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Licenciamento ambiental automático: MP nº 1.040/2021 e a Lei nº 14.195/2021

Quase paralelamente à tramitação do PL 3729/2004, outra alteração legislativa impactante veio por meio da Medida Provisória nº 1.040, editada pelo governo federal em março de 2021 e convertida em agosto do mesmo ano na Lei nº 14.195/2021.

Essa nova legislação estabeleceu, entre outras medidas relacionadas ao ambiente de negócios, a emissão automática de licenças ambientais para atividades classificadas com risco médio, sem qualquer análise humana prévia. Bastaria ao empreendedor formalizar sua solicitação junto ao sistema integrado REDESIM para obter automaticamente a licença, com o compromisso legal de cumprir requisitos ambientais posteriormente.

A iniciativa gerou polêmica significativa por suprimir etapas essenciais de controle prévio dos impactos ambientais. Os críticos da medida alegam que a automatização do licenciamento médio-risco representa retrocesso em termos de proteção ambiental, podendo acarretar danos irreversíveis ao dispensar análises detalhadas e visitas técnicas.

Ainda que o objetivo declarado seja estimular o ambiente de negócios e acelerar a abertura e regularização das empresas, o licenciamento ambiental automatizado provocou intensa oposição de órgãos ambientais e entidades ligadas à proteção da natureza, que defendem a indispensabilidade da análise humana como garantia mínima de segurança ecológica e socioambiental.

Vale ressaltar que, apesar da MP 1.040 ter se tornado lei, ainda prevalece forte resistência à execução prática desse modelo, e a aplicação concreta poderá enfrentar desafios judiciais e administrativos relevantes.

Implicações práticas: risco e responsabilidade

No cenário agora desenhado pelas Leis 14.129/2022 e 14.195/2021, empresas terão que lidar diretamente com novos desafios de gestão estratégica ambiental. Reduzir etapas burocráticas não significa, necessariamente, reduzir riscos. Ao contrário, pode aumentar a exposição das organizações à insegurança jurídica, especialmente se adotarem uma visão simplista ou imediatista diante da nova legislação.

Para lidar com essa complexidade, é necessário que a governança ambiental interna seja mais robusta, integrando ferramentas tecnológicas avançadas, capazes de acompanhar as constantes atualizações normativas e assegurar o monitoramento eficiente da conformidade ambiental.

Plataformas especializadas, como o Qualifica NG, emergem justamente como alternativas tecnológicas para gerir esse cenário de mudanças rápidas. Ao unir inteligência jurídica especializada e tecnologia em dashboards interativos e atualizados em tempo real, é possível mitigar o risco da nova dinâmica legal, que agora exige vigilância constante, precisão na tomada de decisão e rapidez no alinhamento aos requisitos legais vigentes.

A chave para navegar nesse novo contexto será a habilidade das empresas em equilibrar processos mais ágeis com práticas preventivas rigorosas, demonstrando maturidade e transparência ao mercado, especialmente diante das exigências crescentes em relação aos critérios ESG.

Reflexões estratégicas: o equilíbrio necessário

Se de um lado, acelerar processos burocráticos pode ser visto como uma conquista para a competitividade econômica, de outro, a automatização excessiva levanta questionamentos legítimos sobre a efetividade das salvaguardas ambientais.

É imperativo que gestores compreendam que licenciamento mais simples não é sinônimo automático de menos responsabilidade. Pelo contrário, aumenta-se o peso estratégico sobre cada decisão empresarial. Sem análises técnicas detalhadas por órgãos ambientais, a responsabilidade da empresa cresce proporcionalmente, exigindo governança ambiental ainda mais robusta, processos internos rigorosos e transparência total para evitar riscos operacionais, legais e reputacionais futuros.

Com essas mudanças, o papel dos gestores passa a ser ainda mais estratégico: prever e identificar os potenciais impactos de forma autônoma, reforçar suas avaliações internas e, sobretudo, garantir uma governança ambiental alinhada às expectativas de investidores, clientes e da sociedade em geral.

O futuro do licenciamento ambiental: responsabilidade acima da flexibilização

Não há dúvida sobre a importância histórica da recente reforma legislativa no licenciamento ambiental brasileiro. O debate, porém, está longe de um ponto final. Ao contrário, deve permanecer vivo e ativo na gestão das empresas, exigindo uma reflexão profunda sobre a responsabilidade corporativa em relação ao meio ambiente, frente à redução do rigor das etapas prévias.

Nesse novo cenário, caberá às empresas, ainda mais do que antes, demonstrar proatividade, transparência e inteligência estratégica para antecipar e evitar riscos. O futuro do licenciamento ambiental dependerá, na prática, da capacidade das organizações em atuar de forma proativa e responsável, alinhando agilidade burocrática a critérios ambientais sólidos.

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Klara Louise de Andrade

Advogada associada na Rocha Cerqueira Sociedade de Advogados; Pós-Graduada em Direito Penal e Processo Penal, pela Universidade Estácio de Sá; Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes; Graduada em Direito na modalidade integral pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

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